NR-1 e riscos psicossociais: o que muda na proteção à saúde mental?
A legislação trabalhista brasileira está em constante atualização para garantir conformidade com padrões internacionais relacionados às condições laborais. As mudanças na Norma Regulamentadora nº 01 refletem essa evolução, passando a designar medidas para o gerenciamento de fatores de risco psicossociais relacionados ao ambiente de trabalho.
Foi adicionado ao texto original uma seção que dispõe sobre o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais, com validade a partir de 26 de maio de 2025. Dessa forma, empresas com funcionários no modelo CLT devem criar mecanismos para lidar com riscos ocupacionais. A classificação do que são esses riscos é feita pelo texto nos seguintes termos:
“O gerenciamento de riscos ocupacionais deve abranger os riscos que decorrem dos agentes físicos, químicos, biológicos, riscos de acidentes e riscos relacionados aos fatores ergonômicos, incluindo os fatores de risco psicossociais relacionados ao trabalho.”
Neste artigo, abordaremos as mudanças e as consequências trazidas pelas mudanças na NR-1, assim como seus impactos para a saúde mental dentro das empresas.
O que são as normas reguladoras e qual a função da NR-1?
As Normas Regulamentadoras (NRs) são um conjunto de diretrizes criadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores no Brasil. Elas estabelecem obrigações e procedimentos que devem ser seguidos pelas empresas para prevenir acidentes de trabalho e doenças ocupacionais.
Atualmente, existem 38 normas regulamentadoras, abrangendo diversos aspectos das relações trabalhistas, desde o uso de equipamentos de proteção individual (EPI) até regras específicas para setores como construção civil, trabalho em altura e manuseio de substâncias perigosas.
Essas normas têm força de lei e devem ser cumpridas por todas as empresas que possuam colaboradores sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Dentro desse conjunto de normas, a NR-1 estabelece as disposições gerais e os requisitos mínimos que devem ser observados para a aplicação das demais NRs. Ela funciona como um guia para todas as empresas, definindo conceitos essenciais para a segurança e a saúde no trabalho, além de determinar a responsabilidade dos empregadores e dos empregados na prevenção de riscos ocupacionais.
A NR-1 também estabelece regras sobre capacitação e treinamentos obrigatórios, determinando que esses cursos podem ser realizados de forma presencial ou à distância, desde que sigam critérios técnicos específicos.
Regulamentar o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) está entre as suas principais funções. Trata-se de um sistema que exige das empresas a identificação, avaliação e controle dos riscos existentes no ambiente de trabalho. Para isso, as organizações devem elaborar um Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR). O objetivo é reduzir acidentes, melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores e evitar penalidades legais.
A atualização mais recente da NR-1 incluiu em seu escopo o gerenciamento de riscos psicossociais, como estresse, assédio moral e carga excessiva de trabalho. Com essa mudança, a norma reforça a importância da saúde mental no ambiente corporativo e amplia a responsabilidade das empresas na promoção de um ambiente seguro e equilibrado para seus colaboradores.
Riscos psicossociais no trabalho: o que diz a norma?
Os riscos psicossociais são fatores relacionados à organização do trabalho, ao ambiente profissional e às interações interpessoais que podem afetar negativamente a saúde mental e física dos trabalhadores. A inclusão reflete uma preocupação crescente com o impacto que o estresse ocupacional, a pressão por produtividade e os conflitos internos podem ter na qualidade de vida.
Diferentemente dos riscos físicos ou químicos, que costumam ser mais visíveis, os riscos psicossociais são subjetivos em muitos casos e variam conforme a percepção de cada pessoa e a cultura organizacional da empresa. No entanto, seus efeitos são concretos e podem levar a problemas como ansiedade, depressão, esgotamento profissional (burnout) e até o aumento de doenças cardiovasculares.
A NR-1 não apresenta uma lista fechada de riscos psicossociais, mas sua atualização enfatiza que as empresas devem considerá-los no Gerenciamento de Riscos Ocupacionais e no Programa de Gerenciamento de Riscos.
Com base em diretrizes internacionais, como as da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho (EU-OSHA), podemos identificar alguns dos principais riscos psicossociais presentes no ambiente corporativo, tais como:
Carga excessiva de trabalho e prazos irreais;
Falta de autonomia e pouca participação nas decisões;
Ambiguidade de função, quando as responsabilidades não são bem definidas;
Clima organizacional hostil, com assédio moral ou sexual;
Pressão constante por produtividade e metas abusivas;
Falta de suporte da liderança e colegas de equipe;
Insegurança no emprego, medo de demissões ou mudanças bruscas na empresa;
Conflitos interpessoais, que podem gerar tensão e instabilidade emocional.
A nova abordagem da NR-1 reforça que cabe às empresas identificar, avaliar e adotar medidas preventivas para minimizar esses riscos. Isso pode incluir mudanças na estrutura organizacional; adoção de ferramentas que ajudem na identificação de problemas, como um canal de denúncias; fortalecimento da comunicação interna, capacitação de gestores para lidarem com conflitos e a implementação de programas de bem-estar mental.
O não gerenciamento adequado dos riscos psicossociais pode levar não apenas ao adoecimento, mas também a queda na produtividade, aumento do absenteísmo, rotatividade elevada e possíveis penalidades legais. Com essa atualização, a NR-1 coloca a saúde mental no centro das políticas de segurança do trabalho, exigindo das empresas uma postura mais ativa na criação de ambientes profissionais saudáveis e sustentáveis.
Impactos das atualizações da NR-1 nas organizações
As mudanças na NR-1 trarão impactos significativos para as empresas e trabalhadores, especialmente no que diz respeito à gestão de riscos ocupacionais e à inclusão dos riscos psicossociais na política de segurança do trabalho. Esses impactos podem ser analisados em três diferentes horizontes: curto, médio e longo prazo.
Curto prazo: adaptação e reestruturação
Entre os primeiros passos após a implementação das novas diretrizes está a adaptação das organizações. Deve-se revisar processos internos para atender às exigências da norma.
Para tanto, é preciso atualizar o Programa de Gerenciamento de Riscos, incluindo ações para prevenir e enfrentar riscos psicossociais. Nesse momento, também é urgente capacitar a liderança e o time de RH para identificar e mitigar os problemas.
Com o final do período de adaptação à norma se aproximando, é preciso dar atenção especial às adequações. Pode haver um aumento da fiscalização por parte dos órgãos reguladores, o que resultará em autuações e sanções para empresas que não estiverem em conformidade.
Médio prazo: mudanças no clima organizacional
Após a fase de adaptação inicial, é natural que as empresas que incorporarem de forma eficaz as novas diretrizes da NR-1 percebam mudanças no clima organizacional.
A valorização da saúde mental no ambiente de trabalho tem como resultados práticos maior engajamento, aumento da taxa de retenção, redução em índices como absenteísmo, etc. Basta medir o impacto da experiência das pessoas colaboradoras para perceber como o clima organizacional se torna mais positivo.
Em relação à segurança jurídica, empresas que investirem na prevenção dos riscos psicossociais podem evitar processos trabalhistas relacionados a assédio, jornadas exaustivas e ambientes tóxicos.
Longo prazo: benefícios sustentáveis e maior competitividade
A saúde mental já ocupa o centro das preocupações relacionadas ao trabalho. Ao adotar uma abordagem proativa para a gestão de riscos psicossociais, as empresas se tornam mais preparadas para enfrentar os novos desafios que se impõem em um contexto cada vez mais competitivo.
Ambientes corporativos saudáveis e seguros tendem a atrair e reter talentos, reduzindo custos com rotatividade e aumentando a produtividade. Além disso, organizações que demonstram preocupação com o bem-estar de seus funcionários fortalecem sua imagem institucional, tornando-se mais competitivas e alinhadas às tendências globais de ESG.
Em um cenário futuro, é possível que essas boas práticas se tornem um diferencial competitivo, influenciando a decisão de clientes, investidores e parceiros de negócios.
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Saúde mental como protagonista na legislação trabalhista brasileira
A legislação brasileira tem avançado significativamente na proteção da saúde mental das pessoas colaboradoras, refletindo uma preocupação crescente com o impacto dos riscos psicossociais no ambiente corporativo. Além da recente atualização à NR-1, outras iniciativas têm reforçado a necessidade de enfrentar problemas como o assédio, a discriminação e outros problemas que podem impactar a segurança psicológica. Confira algumas delas:
Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental: a lei 14.831/24 criou o programa que reconhece empresas que promovem a saúde mental e o bem-estar de seus colaboradores, de acordo com uma série de critérios. O certificado terá validade de dois anos, período após o qual as empresas deverão passar por nova avaliação para renovação.
Lei 14.457 e a ampliação do papel da Cipa: com a lei, a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Assédio passou a ter a responsabilidade de prevenir e combater o assédio em todas as suas formas. A mudança impactou diretamente a NR-5, que regula as atribuições da CIPA, tornando a segurança psicológica um fator essencial dentro das organizações.
Programa Emprega + Mulheres: resultado direto da Lei 14.457, o programa traz medidas para favorecer a inserção e a permanência de mulheres no mercado de trabalho. Ele foca especialmente nas necessidades relacionadas à maternidade, garantindo melhores condições para que profissionais com filhos pequenos possam continuar trabalhando sem abrir mão da segurança e do equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Campanha Janeiro Branco: a campanha é uma iniciativa nacional dedicada à conscientização sobre saúde mental e foi instituída pela Lei 14.556. A legislação impulsionou ações preventivas dentro das empresas, trazendo mais visibilidade para transtornos como depressão, ansiedade e síndrome de burnout, promovendo um ambiente de trabalho mais saudável e acolhedor.
Canal de denúncias como ferramenta de gerenciamento de riscos psicossociais
Há um clichê amplamente difundido na administração: o que não pode ser medido, não pode ser gerenciado. Como todo clichê, ele carrega uma grande verdade. Para que a gestão dos riscos psicossociais seja eficaz, é essencial que haja visibilidade dos problemas, permitindo a criação de um plano de ação adequado.
É nesse ponto que o Canal de Denúncias se torna uma ferramenta estratégica. Ao oferecer um meio seguro e anônimo para que os colaboradores relatem irregularidades e situações de risco, o canal permite que a empresa identifique problemas internos e atue antes que eles escalem. Além disso, ao mapear as principais áreas de atenção, a organização pode adotar medidas proativas para prevenir esses riscos.
Muitos dos riscos psicossociais – como assédio, sobrecarga de trabalho, conflitos interpessoais e inseguranças no emprego – costumam passar despercebidos pela liderança. Quando bem estruturado, o Canal de Denúncias funciona como um sensor organizacional, revelando padrões prejudiciais que precisam ser corrigidos para garantir um ambiente de trabalho mais seguro e saudável.
O sucesso da ferramenta depende de um planejamento estratégico sólido, que envolva desde o engajamento dos colaboradores até a definição de um processo transparente para a investigação e resolução das denúncias. Aspectos fundamentais incluem a divulgação do canal, a capacitação da equipe responsável pela apuração, a criação de documentos como o Código de Conduta e a Política de Não-Retaliação, entre outras ações.
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