A lição do BBB 23 sobre identificação de casos de má conduta
“Quem está envolvido em um relacionamento, talvez nem perceba. Mas quem está de fora consegue enxergar quando os limites estão prestes a serem gravemente ultrapassados”. Foi com essa frase que o apresentador do BBB 23, Tadeu Schmidt, alertou o modelo Gabriel Tavares. Ele teve atitudes consideradas abusivas em seu relacionamento com a atriz Bruna Griphao dentro da casa.
O que gerou o aviso foi a resposta de Gabriel a um comentário de Bruna. Ela havia dito que era o homem da relação, ao que ele respondeu: “você vai tomar umas cotoveladas na boca”. Mesmo que se tratasse de um acontecimento isolado, a fala já chamaria a atenção. No entanto, outras microagressões como críticas à aparência e ao comportamento da atriz já haviam aparecido anteriormente.
Embora Big Brother Brasil não esteja diretamente ligado ao contexto organizacional e ao universo de compliance, o episódio ilustra dois pontos com clareza: a relevância da visibilidade de comportamentos de má conduta e a necessidade de identificação antes que escalem. Ainda que se trate de um programa de entretenimento, os comportamentos exibidos no BBB refletem o que ocorre na sociedade e podem se repetir em qualquer ambiente: seja social ou profissional.
Vamos abordar mais sobre esses temas neste artigo. Boa leitura!
Do machismo às microagressões: um problema estrutural
Logo após a repreensão feita pelo apresentador, Gabriel chamou Bruna e tentou justificar sua atitude, reforçando que teria feito apenas uma brincadeira. É bastante comum que comentários, perguntas ou ações dolorosas sejam mascarados dessa forma, mas mesmo que tenham sido feitas sem a intenção de agredir, podem ser consideradas microagressões.
Na definição de Derald Wing Sue, professor da Universidade Columbia e autor de “Microagressions in everyday life”, as microagressões questionam de forma negativa ou irônica, assim como colocam em validação uma pessoa de um grupo considerado discriminado ou sujeito a estereótipos amplamente disseminados. Elas podem ser intencionais ou não, o que as torna ainda mais desconcertantes.
Ao refletir preconceitos e estereótipos profundamente enraizados na sociedade, falas como a de Gabriel tendem a soar como menos violentas do que realmente são. No entanto, elas refletem problemas estruturais como o machismo, a misoginia e a violência de gênero. Quando estamos submersos em uma cultura que não reconhece e ainda valida tais questões, elas se disseminam de forma naturalizada. Torna-se mais difícil identificar o problema porque, muitas vezes, não o enxergamos como tal.
Por esse motivo, a atitude da produção do BBB 23 e de Tadeu Schmidt em reconhecer que a fala de Gabriel foi violenta, a despeito do tom utilizado, é um marco importante. Além de estabelecer que comportamentos abusivos não podem ser tolerados, o apresentador interveio na situação diante dos primeiros sinais de que algo errado estaria se desenvolvendo.
Diagnósticos assertivos dependem de ferramentas que deem visibilidade aos problemas
É nesse ponto que podemos traçar um paralelo entre a atitude de Tadeu e a importância de um canal de denúncia nas organizações. Diferentemente do Big Brother Brasil, pessoas colaboradoras não devem ser vigiadas por câmeras ou ter sua conduta avaliada 24 horas por dia. A confiança é um elemento estrutural em ambientes profissionais, construída a partir de transparência e ética entre todas as partes envolvidas.
Quando uma empresa não se preocupa em oferecer um espaço para que relatos de má conduta sejam enviados, avaliados, investigados e resolvidos, ela fecha os olhos e os ouvidos para sinais que poderiam evitar situações mais graves no futuro. Não ter visibilidade de um problema não significa que ele não existe, mas que o diagnóstico pode vir tarde demais.
Por isso, investir na gestão de riscos, contando com um canal de denúncia, é uma estratégia eficaz para a construção de um ambiente seguro e ético. Ajustes bem direcionados só podem ser realizados quando há transparência e todas as pessoas entendem os limites, reconhecem os problemas e são conscientizadas da importância em superá-los.
Oferecer um canal para que a pessoa afetada pela má conduta de outra possa relatar o ocorrido fortalece o pacto de confiança sobre o qual a organização se funda. Por outro lado, como ocorreu no BBB 23, é comum que a vítima de uma situação de abuso ou violência tenha dificuldades em identificar o problema para denunciá-lo. Em situações como essas, o relato de quem testemunha é uma peça-chave para iniciar o processo de apuração antes que o cenário se agrave.
Testemunhas podem ver aquilo que a vítima ainda não percebeu
Como apontamos neste artigo, o relato das testemunhas não é coadjuvante. Problemas de comportamento afetam todas as pessoas que presenciam a situação. Durante sua fala, Tadeu lembrou comentários de outros participantes, assim como as expressões incomodadas de quem tinha alguma proximidade com o relacionamento entre Bruna e Gabriel.
Em muitos casos de má conduta, as testemunhas têm papel decisivo na hora de jogar luz sobre o que está acontecendo. Por isso, cabe ao setor de Compliance ou RH garantir que as pessoas que testemunharam casos de má conduta sintam-se protagonistas na defesa dos interesses da empresa e a vontade para relatar. Um canal de denúncia seguro, de fácil acesso e que garanta anonimato é uma ferramenta essencial para intervir em uma cultura de silêncio e tolerância com comportamentos problemáticos.
Incentivar relatos e criar mecanismos para identificação e resolução dos problemas tem se mostrado uma forma fundamental para a prevenção de má conduta e riscos estratégicos, o que reflete diretamente na produtividade e no bem estar das pessoas colaboradoras. Ao tratar do problema e alertar o agressor rapidamente, além de evitar que a situação se agravasse, Tadeu Schmidt e a Globo reforçaram que não serão coniventes com abusos.
No mundo corporativo, em que a vigilância constante não faz parte das boas práticas de gestão, é preciso confiar nas pessoas e oferecer caminhos para que elas atuem em prol do bem-estar coletivo.