Perguntas, respostas e provocações sobre Liderança e Gestão inclusiva com Thalita Gelenske

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Artigo publicado em 30/07/2021

Em nossa série de GuestSpace deste mês, você conhecerá um pouco da Thalita Gelenske, fundadora da Blend Edu, que oferece treinamentos e experiências educacionais para promover diversidade e inclusão em empresas brasileiras.

Thalita tem um repertório profissional impecável pautado em empreendedorismo social, sendo colunista na revista HSM Management, Mestre em Bens culturais e Projetos sociais pela FGV e listada como Forbes Under 30 pelas ações de Diversidade promovidas com sua empresa.

Leia este Guest e prepare-se para terminar este bate papo com importantes aprendizados sobre Liderança e Gestão inclusiva com foco em equidade.

Thalita, você fundou uma empresa focada em projetos de consultoria em diversidade e educação inclusiva, a Blend Edu. Como surgiu a ideia? E como foi o processo?

Comecei a trabalhar com Diversidade em 2011, quando ainda era um tema muito embrionário, na Vale. Na faculdade de Administração, nunca comentaram sobre Gestão de D&I. Quando conheci o tema, me apaixonei e senti muita necessidade de estudar. Então fui fazer um mestrado na FGV pois não havia muita referência no Brasil, o país não tinha boas práticas ou empresas avançadas na discussão. Ao terminar o mestrado, entrei em crise e pensei “será que as pessoas vão ler a pesquisa que realizei?”. Fiquei pensando em como eu poderia ajudar outras empresas na jornada de construção de uma cultura inclusiva. No geral, quando ainda estava na Vale desdobrando algumas ações sobre o tema, tinha muita dificuldade em encontrar fornecedores que trouxessem uma abordagem prática e didática, que se conectava com o dia a dia dos colaboradores e tivessem uma comunicação não violenta (que fosse de construção de ponte e não de mais polarização). 

Comecei a pensar na ideia da Blend Edu em 2015, quando terminei meu mestrado. Conversei com outras pessoas, principalmente profissionais da área de RH que cuidavam do tema diversidade. Comecei a ter ideias diferentes e inscrevi umas delas em um programa do Governo americano, criado no governo Obama, que seleciona 250 empreendedores sociais na América Latina e os leva para uma imersão de um mês nos EUA. Fui selecionada com a Blend ainda em forma de ideação, em 2017. Ao voltar, ganhei uma premiação chamada Valuable Young Leaders, da Harvard Business Review junto com a Eureca (Grupo Anga). Em 2018 saí da Vale e comecei a me dedicar 100% à Blend Edu desenvolvendo ações educacionais e projetos de consultoria para ajudar as empresas a potencializar a diversidade e inclusão dentro das suas culturas organizacionais. 

Hoje a Blend Edu tem um portfólio bem legal: Tim, 3M, Cielo, Grupo Móbile, OLX, Telecine... Desde empresas do segmento farmacêutico até empresas de tecnologia. Então acompanhamos a evolução das empresas e do ecossistema dentro da discussão de diversidade e inclusão, que hoje é muito ventilada mas nos idos de 2008 à 2011 não era comentada. Inclusive algumas pessoas me chamaram de louca por me demitir do meu trabalho e ir trabalhar com diversidade logo em 2018, quando o nosso cenário político estava muito instável e desfavorável a isso. 

Hoje em dia você promove diversas ações e atividades que apoiam a inclusão de pessoas LGBTQIA +. Como uma mulher pertencente à comunidade, você se deparou com desafios profissionais?

Pesquisas mostram que cerca de 61% das pessoas LGBTQIA+ não falam abertamente sobre sua sexualidade no ambiente de trabalho e eu também já fiz parte da estatística. Sei que enquanto mulher branca, tenho uma posição de bastante privilégio, apesar de sofrer com questões ligadas à machismo e estereótipos de gênero, mas tenho uma passabilidade maior. Sei que eu consigo “passar batido”, ou seja, não necessariamente eu seria o primeiro alvo de discriminação e exclusão.  Mas imagina assim: a Vale é uma empresa de commodity, que trabalha com países muito diferentes como Omã (imagina falar de direitos das mulheres em Omã?) ou Moçambique (que ainda criminaliza relacionamentos homoafetivos). Eu tinha muito medo do preconceito e de virar alvo de fofocas, comentários e exposição, por isso, escondia a minha sexualidade. Não chegava a mentir (pois não sou boa mentindo), mas sempre omitia quando estava em algum relacionamento e não imaginava se teria um espaço seguro para falar sobre. 

Até que o projeto de diversidade na Vale caiu no meu colo e eu tive que começar a falar de questões ligadas a gênero, sexualidade e outros temas, tratando de uma perspectiva interseccional. Mas foi uma longa jornada até eu me sentir confortável em falar abertamente para as pessoas que sou uma mulher lésbica, pois tinha medo de isso limitar as minhas oportunidades profissionais. Foi uma jornada longa até eu criar coragem para me posicionar e expressar minha identidade dentro do ambiente profissional. Hoje quem olha de fora e vê que no LinkedIn eu coloquei a bandeira LGBTQIA+ pode achar que foi tranquilo o processo, mas não é bem assim. 

É muito evidente quando vemos uma situação de discriminação extremamente violenta como xingamento ou agressão física. Mas existem as micro agressões que muitas vezes são sutis, só que frequentes e que ocorrem em diferentes espaços corporativos. Já estive em espaços em que estava almoçando com um grupo de colegas de trabalho e alguém se pronunciou com “gente, vocês não acham que fulano é gay?”. Então eu imaginava que seria a fofoca do almoço de alguém se revelasse que sou lésbica. Ou, por exemplo, quando surgem comentários do tipo “fulana com certeza é lésbica, só não descobriu ainda”. São falas rotineiras porém pouco empáticas e bastante presunçosas. 

A pesquisa que diz que pessoas da comunidade LGBQIA+ não falam abertamente sobre sua sexualidade no ambiente de trabalho lista os 6 tipos de discriminação mais frequentes e normalmente são piadas sem consentimento, colegas que evitam convívio com pessoas da comunidade, exposição por partes dos colegas como assédio moral e fofoca, até mesmo culminando em demissão. Nunca cheguei a ser demitida por conta da minha orientação sexual, mas com certeza já escutei piadas e sofri esse tipo de exposição em ambientes que minam a confiança e a segurança psicológica que as pessoas deveriam sentir no ambiente de trabalho. Não é à toa que existe um número tão alto de pessoas que esconde a sexualidade.  

Em 2018, você escreveu um texto sobre liderança intitulado “O jovem líder de hoje”. Você acredita que o conceito de liderança sofreu mudanças de uns 20 anos para cá? Como você encara essas mudanças no seu dia a dia?

O texto fala do arquétipo de liderança que a comunidade Young Leaders utiliza. É uma ótica que pensa em liderança de uma forma horizontal, e isso é parte do que eu trabalho em treinamentos de liderança inclusiva, tentando conscientizar líderes. Em diferentes empresas com as quais trabalhamos, dentro de uma lógica industrial e linear dado que havia uma previsibilidade maior dos processos, a estrutura era muito hierárquica. A liderança era quem tinha a resposta e dava a palavra final, instaurando uma lógica de comando e controle, ou seja, uma pessoa manda e o restante obedece. Hoje, com um mindset digital e com problemas cada vez mais complexos e impossíveis de resolver com apenas uma área de conhecimento, precisamos da diversidade e de diferentes olhares e vivência para a resolução desses problemas. Nesse contexto, a liderança perde o papel de “eu mando, vocês obedecem” e começa a ter o papel de facilitação, coordenando as pessoas, extraindo o melhor de cada uma e facilitando o grupo a chegar na melhor resposta possível. 

Eu lembro que quando eu estava na faculdade, o livro mais recomendado de Gestão era “A Arte da Guerra”, trazendo uma lógica de escassez e competição. Hoje, o livro "O Novo Poder” traz novas tendências de como olhar o mundo dos negócios a partir de uma lógica de abundância e colaboração. O novo modelo de liderança se reflete nisso também se torna mais servidora e facilitadora. O papel mudou muito nos últimos anos e isso é desafiador pois quando a intenção é facilitar o grupo, é necessário lidar com conflitos, acomodar incertezas, criar um ambiente humanizado e inclusivo para que as pessoas possam falar de assuntos difíceis. Por exemplo, é necessário começar a falar de saúde mental no ambiente de trabalho, que foi tabu durante muito tempo. 

Começamos a ter um olhar mais humanizado tanto para as novas lideranças como para as empresas como um todo, trazendo desafios de competências e inteligência emocional que não necessariamente fomos treinados a possuir. Mas desde nosso modelo educacional, não nos educaram a pensar e explorar perguntas, descobrir novas possibilidades. Nos treinaram para assinalar a resposta certa e passar no vestibular. É uma lógica industrial, ficar sentada ouvindo um professor ou uma professora, sem ativar o conhecimento em grupo de uma forma horizontal e colaborativa. 

É um grande desafio entender que cada vez mais as empresas e lideranças terão de tratar de assuntos e discussões de aspectos entendíveis e não mensuráveis. Recentemente, li um artigo do MIT Sloan Review que trata sobre intelectualidade e exigências executivas. Lá dizia que é inegável um predominante desinteresse das lideranças corporativas em assuntos como Literatura, Arte, Filosofia, debates abstratos e assuntos de cunho cultural ou social. Então, falamos de tecnologia mas não entendemos a existência da tecnologia social. Às vezes encaramos os dados como verdades absolutas, mas por trás dos dados temos que tirar uma superfície de hipóteses explorando o comportamento humano. Precisamos ter maior letramento em inteligência relacional, e isso é uma grande mudança no perfil de liderança que as pessoas ainda estão se acostumando.  

Thalita, qual você acredita que deve ser o principal comportamento de uma empresa para que haja inclusão? E qual será o maior desafio em um cenário de pós pandemia?

Quando as pessoas me perguntam isso imagino que elas esperem uma receita de bolo: “10 passos que você precisa seguir para ter uma empresa mais inclusiva”. Estamos acostumados a consumir esse tipo de conteúdo, mas a solução para uma determinada empresa varia muito, não é óbvia. 

A solução vai depender muito da cultura, estratégia, da realidade em que a empresa está inserida e até do nível de maturidade da equipe. Inclusive colocamos esses pontos em um Canvas da Estratégia de Diversidade, que é parte da nossa metodologia de consultoria e que disponibilizamos gratuitamente no nosso Toolkit de Diversidade. Por exemplo, em uma empresa de tecnologia tem pessoas com perfil de nativas digitais, que estão muito imersas no cenário tech ou são jovens e estão mais dispostas a essas discussões. E então, às vezes a cultura é tão fértil que realizar uma ação já traz frutos. E tem outras empresas em que a jornada é mais longa, e aí é necessário “amaciar o terreno”  para que as pessoas possam receber as informações e irem amadurecendo, ficando mais abertas a essas discussões. 

As empresas, como reflexo da cultura corporativa, estão acostumadas a respostas fáceis para questões difíceis. Vejo muitas organizações que falam de ações simples a se fazer para causar impacto e ter alguma diferença; que fazem campanhas ou ações pontuais para levantar a discussão de diversidade. É óbvio que essas campanhas têm seu valor,  mas o ponto mais básico e importante é a criação de um ambiente seguro. Um espaço em que o diálogo possa acontecer, em que as pessoas possam falar o que pensam e questionar decisões e estratégias. 

O que encontramos em muitas empresas é a cultura do “comando e controle” e “não me traga problemas, me traga soluções”, muito dependente de hierarquias, afinal, quem é louco de questionar Direção ou Presidência?. O primeiro passo é criar um ambiente de diálogo, conversa, troca e conflito produtivo. E não falo do conflito agressivo e de brigas que não levam  a lugar nenhum, mas sim do conflito do questionamento: “Poxa, pera aí, vamos ver como podemos chegar a uma resposta melhor a partir das nossas discussões”. 

O problema é que somos tão treinados a achar respostas certas que quando recebemos críticas ou questionamentos, nossa tendência natural é ficar na defensiva. Por exemplo, quando algum colega chega e diz “sua frase foi racista” o primeiro instinto é responder “mas eu não sou racista”. É muito difícil aceitar o erro e dizer "putz, foi mesmo, vou me policiar. E se eu repetir me avise”. Nosso primeiro instinto é se defender, gerando uma certa competição. 

Temos que entender que não é porque alguma empresa adotou determinada prática que a sua empresa deve adotá-la também, sem qualquer senso crítico. Às vezes chegam empresas na Blend que falam “queremos lançar grupos de afinidade e diversidade” e respondemos “legal, e qual é o objetivo do grupo?”. Então a empresa responde “ah, não sabemos, apenas lançamos a inscrição”. É um hábito ruim encarar esses problemas de diversidade como um checklist, pois deixamos de lado questões profundas que podem ser empecilhos na hora de criar espaços de segurança psicológica, diálogo e conflito positivo. 

Um termo que voltou a ter propulsão recentemente é o ESG (Environmental, social and corporate governance, em inglês). O que essa sigla significa, na prática? Como podemos relacioná-la  à liderança inclusiva?

ESG é uma sigla que se popularizou recentemente para tangibilizar a ideia de empresas conscientes e mais humanizadas, que entendam que não existem muros que separam a empresa do resto do mundo e que existem questões em nossa sociedade que precisam ser levadas a sério e discutidas internamente. Precisamos entender aspectos ambientais, sociais e até aspectos de governança, como garantir que as decisões sejam tomadas nas esferas certas. Então, o ECG é um norte que aponta quais aspectos ambientais, sociais e de governança uma organização tem que seguir para ter boas práticas corporativas. 

Por mais que o tema tenha surgido recentemente, já existem especialistas e muitos conteúdos. Na minha coluna da HSM eu cheguei a entrevistar o Fabio Alperowitch, um especialista que trabalha com investimentos com foco em ESG desde 1992. A melhor forma de resumir é abordar o tema da mesma forma que abordamos conversas sobre liderança, onde as empresas compreendem que o negócio delas deve olhar para a sociedade como um todo, afinal ela não está descolada do resto do mundo.

Os problemas que enfrentamos hoje são muito complexos e toda empresa tem sua parcela de contribuição. É claro que uma organização sozinha não resolverá todos os problemas nem irá ocupar o lugar do Estado, mas cada stakeholder tem sua responsabilidade. É como se olhássemos o cenário da pandemia: empresas têm um papel a cumprir seguindo as diretrizes da Organização Mundial da Saúde e percebendo a vulnerabilidade de suas pessoas colaboradoras e fornecedoras. Mas isso é apenas um pedaço da nossa contribuição nesse problema complexo que envolve desde o Estado até  organizações internacionais. 

Falar de ESG é falar da empresa com perspectiva consciente e humanizada. E não é coisa só de empresa grande: desde cedo, quem empreende já pode tentar seguir alguns princípios como ter um olhar mais inclusivo na contratação de pessoas e na escolha de fornecedores. No final do ano passado, a Blend participou de uma pesquisa chamada “Pesquisa Humanizadas” em que mandamos um questionário para clientes, fornecedores, colaboradores e parceiros sobre os valores da Blend Edu e a como a empresa se relaciona com as  pessoas. Com isso, temos uma visão 360 de diferentes stakeholders sobre nosso posicionamento e abordagem. Ficamos como top performer em todas as categorias de empresa de pequeno porte, um reconhecimento muito legal. Aconteceu naturalmente, fruto de um exercício contínuo, de criarmos uma cultura de relacionamento que olha para o “todo”, criando um negócio mais consciente e humanizado. 

Por fim, você pode deixar indicações de conteúdo sobre D&I e boas práticas de liderança? 


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