Documentário Athlete A da Netflix expõe casos de assédio e cultura tóxica da USA Gymnastics

Pessoal quebrando ovo com ferramenta

Documentário Athlete A da Netflix expõe casos de assédio e cultura tóxica da USA Gymnastics

Artigo publicado em 04/08/2020

Aviso: este post contém spoilers.

Um dos grandes obstáculos para efetivar o combate ao assédio sexual nos ambientes de trabalho é a forma como muitas pessoas lidam com o tema: tornando-o um tabu.

Hoje, com a importância da saúde mental no trabalho ganhando cada vez mais força na opinião pública, já aprendemos bastante sobre culturas de silêncio e seus impactos negativos em como resolver problemas de assédio sexual. No entanto, ainda há um longo caminho pela frente.

O documentário Athlete A, da Netflix, retrata a problemática ao mostrar os bastidores tóxicos da seleção de ginástica olímpica americana. O fio condutor do enredo é a história de Maggie Nichols, uma das 250 ginastas vítimas de assédio e abuso sexual do ex-médico da seleção Larry Nassar.

O ambiente tóxico da ginástica olímpica 

Assistir ao documentário é uma oportunidade única de ter contato com o que não se vê durante treinos, campeonatos e Olimpíadas. Por meio de relatos, o filme coloca em evidência o cenário abusivo e antiético que as ginastas americanas faziam parte.

Apenas ao ganhar visibilidade dos bastidores, é possível entender a fragilidade em que as meninas (de 8 a 14 anos) da equipe estavam durante o período, e de que forma isso abriu espaço para situações de abuso de poder por parte do médico.

Enquanto as ginastas se apresentam, são vistas como mulheres elásticas, saudáveis, que estão sempre com sorriso no rosto. No entanto, na realidade, estavam inseridas em uma cultura pautada em altos níveis de estresse físico e psicológico. Como consequência, apareceram inúmeros impactos negativos no desenvolvimento de seus corpos e da saúde mental da equipe.

Para alcançar o sucesso, os treinos começaram quando as meninas tinham aproximadamente 8 anos, e alguns duravam mais do que 15h por dia. Treinadoras como Martha Karolyis alimentavam esse stress por acreditarem em uma cultura que não reconhece a importância da saúde mental no trabalho - ou melhor, no esporte.

Podemos traçar, desde já, um paralelo próximo à realidade de muitas empresas que não agem de forma clara contra o assédio sexual e moral. De fora, quando não há espaço para diálogos seguros e transparentes, tudo pode parecer bem. Aos poucos, se constrói uma cultura de silêncio.

Mais tarde, quando os casos de problemas de comportamento vêm à tona, já não se tratam de um episódio isolado. Os desvios éticos já fazem parte daquela estrutura.

Karolyi Ranch

O acampamento Karolyi Ranch, do qual Nassar fazia parte, existia para garantir que as meninas mantivessem uma dieta adequada e uma rotina exaustiva de treinos. 

Diversas cenas do documentário mostram que o desconforto no acampamento era generalizado, as meninas se sentiam intimidadas e levadas ao limite físico e mental dia após dia. As atletas eram chamadas de gordas, seus ciclos menstruais eram desregulados e, mesmo lesionadas, eram obrigadas a treinar. 

Eram nesses momentos de fragilidade que o médico Larry Nassar buscava reforçar seu papel de poder, autoridade  ao lado das ginastas. Como mostra no documentário, Nassar se comportava como alguém com quem as ginastas podiam contar.. Estava sempre à disposição para ajudá-las em tudo o que precisassem. 

 
 

Foram mais de 500 casos de assédio que surgiram depois da primeira atleta se pronunciar.

"Durante anos, o Dr. Nassar me convenceu de que ele era a única pessoa que poderia me ajudar a recuperar, depois de lesões graves. Para mim, ele era como um cavaleiro de armadura brilhante ”, disse Alexis Moore, que contou que Nassar a molestou quando tinha 9 anos. “Mas, infelizmente, esse brilho me cegou do abuso. Ele traiu minha confiança, se aproveitou da minha juventude e me abusou sexualmente centenas de vezes.”

O abuso e os maus tratos eram velados dos pais das meninas, que só recebiam notícias pelos treinadores e treinadoras, e eram proibidos de entrar em contato direto com elas durante o período do acampamento. 

Nessas situações de vulnerabilidade, o abuso de poder ganhava espaço. Reconhecer o assédio como um comportamento decorrente das relações de poder é o primeiro passo para agir de forma proativa. A partir dai ações podem ser tomadas para entender como resolver problemas de assédio sexual. 

Atleta saltando com bandeira dos EUA ao fundo

Cena do documentário Athlete A disponível na Netflix.

 

Casos de assédio acontecem em todo lugar. É preciso iniciar essa conversa.

O documentário evidencia que a cultura da ginástica olímpica, bem como de outros esportes, pode ser bastante tóxica. Apesar de Nasser ser o principal agressor, o documentário mostra como o conjunto de pessoas e fatores que compunham aquele ambiente permitiu que essa violência persistisse por tanto tempo. 

Steve Penny, o CEO da US gymnastics na época, foi acusado de escondermais de 50 denúncias de abuso sexual  se recusou a responder perguntas durante o inquérito dos casos contra Nassar. 

O trabalho que a Netflix tem feito para que temas como esse cheguem para o mundo todo é fundamental. Falar sobre assédio é muito importante para desconstruir tabus e fazer com que as pessoas entendam que abuso de poder é um comportamento comum,presente em todos os ambientes. 

Vale lembrar: o movimento de avanço em como resolver problemas de assédio sexual também protege as organizações - não apenas as pessoas envolvidas.

A discussão sobre um problema deve ir antes dele. O combate ao assédio sexual só acontece de forma efetiva quando existe um esforço para que essa conversa seja iniciada, e isso se aplica diretamente para a cultura das empresas.

Dessa forma, quando lideranças constroem espaços seguros e transparentes para que pessoas colaboradoras possam relatar qualquer incômodo, essas culturas de silêncio perdem força. 

O tom vem do topo. A importância da saúde mental no trabalho deve vir sempre como iniciativa da alta hierarquia. 


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