A hora do trabalho remoto

Artigo publicado em 06/08/2020

Por John Delaney, COO da Xerpa

John Delaney trabalho remoto cultura organizacional

Poderíamos ter sucesso nos negócios sem um escritório

Durante muito tempo, nos dividimos entre processar o sofrimento da humanidade causado pela pandemia de Covid-19 e a ansiedade pelo desconhecido, que estava ainda por vir. No meio de tudo, acredito que eu tenha me permitido inspirar com esse momento de transformação profunda. 

Para mim, uma das principais lições que aprendemos durante essa crise é que muitos negócios, que antes depositavam sua força no espaço físico onde reuniam suas equipes, podem ter sucesso sem ele. 

Isso pode não parecer grande coisa mas, acredite, é. É tempo de reconhecermos o tamanho da oportunidade que esse momento apresenta e considerar, com coragem, o trabalho remoto como forma de melhorar a cultura organizacional(ou híbrido).

Acredito que devemos reconhecer o potencial desse modo de trabalho. Para empoderar as pessoas a viverem vidas mais alegres e completas, combater as mudanças climáticas, criar custos mais acessíveis em nossas cidades e revitalizar a economia rural.

Esse é o momento para enxergar a experiência do trabalho remoto como uma opção permanente para pessoas colaboradoras, sempre que possível. E, mais do que isso, é preciso que nossos governos apoiem iniciativas como essas, investindo na infraestrutura necessária para que isso aconteça com êxito.

Com as experiências recentes, devido a pandemia, aprendemos que o caminho mira em uma forma de trabalho mais flexível e distribuída ao longo dos dias. E descobrimos que esse estilo de rotina profissional é, no mínimo, tão eficiente quanto o que exigia que os colaboradores fossem de casa ao escritório, diariamente.

E, considerando os benefícios ambientais, sociais e pessoais, sentimos que devemos nos mover nessa direção. Por isso, a partir de agora vamos liberar os membros do nosso time a escolherem se querem trabalhar do escritório ou de qualquer outro lugar. 

Encorajo as empresas a se unirem a nós naa implementação permanente dessa forma de trabalho.

Antes da crise causada pelo COVID-19, quase nenhuma empresa de tecnologia havia vivenciado ter todos os times trabalhando remotamente, por um período tão extenso. 

Com essa experiência, a maioria delas percebeu que não precisava de uma equipe fisicamente presente para ter sucesso, apresentando uma performance excepcionalmente boa por parte dos times, durante a crise, apesar da transição meio repentina.

É verdade que o mercado tecnológico ainda precisa abordar muitas questões culturais importantes e lidar com grandes desafios para transformar o trabalho remoto em uma característica permanente, mas não vamos perder de vista o cenário maior aqui. 

Antes da crise, muitos de nós havíamos presumido que precisávamos transitar de casa ao escritório todo dia, para que nosso negócio prosperasse. E essa presunção simplesmente não se sustenta mais.

Pense bem: no ponto de vista dos negócios, a possibilidade de implementação do trabalho remoto nas empresas está atrelada a ganhos ou perdas na produtividade. No entanto, é preciso ir pela lógica de que suas consequências sociais são muito maiores. 

Vou citar alguns dados dos EUA para exemplificar, mas muitos deles são aplicáveis em outros países. Uma vez que 80% das pessoas que atuam remotamente fazem isso de casa, o trabalho remoto significa, na maioria das vezes, não se deslocar. E o deslocamento, hoje, é o que podemos fazer de pior ao meio-ambiente no nosso dia a dia

Nos EUA, a maior fonte de emissão de carbono é o transporte, especialmente os veículos que garantem o deslocamento diário. Apesar do esforço para promover o transporte público no país, 91% das pessoas que transitam para o trabalho todos os dias não o utilizam, e 77% deles dirigem sozinhas em seus carros.

mesa com computador trabalho remoto cultura organizacional

John defende que o trabalho remoto traz impactos significativos no contexto de arquitetura urbana além de economia de tempo e dinheiro para as pessoas colaboradoras.

Deixar de exigir que os colaboradores se desloquem todos os dias ao trabalho, portanto, terá um efeito muito importante na emissão de carbono do país. O mesmo acontecerá em outros países onde carros são um meio de transporte desproporcionalmente importante para a rotina profissional, como é o caso do Brasil.

Esse fator, por si só, deveria incentivar as empresas a experimentar o trabalho remoto e flexível. Nós temos raras oportunidades de mudar o comportamento humano na escala necessária para combater a mudança climática que vivemos hoje, e essa é uma delas. No entanto, os potenciais ganhos dessa forma de trabalho vão além dos benefícios ambientais. 

Os custos nas cidades onde se localizam as maiores e mais conhecidas empresas estão cada vez mais altos para famílias de classe média. Podemos ter um número muito grande de vagas de emprego centralizadas em um mesmo lugar, e aí repete-se o cenário de São Francisco, na Califórnia: o número de novas oportunidades é 6 vezes maior do que as novas moradias.



Em adição a isso, trabalhadores que se mudam para grandes cidades com o objetivo de trabalhar não necessariamente gostam de viver nelas. 

Segundo pesquisa da Gallup dos Estados Unidos, de 2018, o número de pessoas que moram em grandes cidades é muito maior do que as que realmente querem isso. Ainda, 27% delas gostariam de morar em áreas rurais, mas só 15% realmente moram. 

Entre o cenário de êxodo rural e a luta das regiões que sofreram desindustrialização para atrair trabalhadores qualificados, é válido considerar onde eles gostariam de morar, caso pudessem escolher.

Ao não aderirem ao trabalho remoto como modelo permanente,  empresas de todos os setores estão obrigando bons e ambiciosos talentos a se concentrarem em um número pequeno de áreas metropolitanas, porque é lá que elas estão. 

Ou ainda, perdendo essas pessoas para a concorrência, que enxergou os benefícios do trabalho remoto.

A inovação é o que faz as melhores empresas bem-sucedidas e, considerando os potenciais benefícios do trabalho remoto e flexível, não aderir ao modelo é escolher ficar para trás. Deveríamos libertar os colaboradores para que eles possam parar de se deslocar diariamente e vivam melhor.

A crise do COVID-19 provou que o trabalho remoto chegou para ficar. O modelo não é apenas possível - muitas vezes, é um diferencial atrativo diante da concorrência por talentos do mercado. 

O trabalho flexível não faz milagres, mas seus benefícios climáticos, sociais e econômicos deveriam nos convencer a adotar esse novo modelo como uma opção permanente para as empresas brasileiras. 

Eu acredito em colocar o trabalho como uma construção a beneficiar as pessoas colaboradoras.Mais do que nunca, estou certo de que as empresas que adotam o trabalho remoto  estão olhando para o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional de suas equipes com mais atenção.


John Delaney trabalho remoto cultura organizacional

*John Delaney é Chief Operating Officer (COO), da Xerpa. Advogado de formação, atuou como investidor anjo em várias empresas de inovação no Brasil como a 99 e Printi. Veio para o Brasil como primeiro advogado do escritório no país em 2010, ingressou como managing partner da SouthRock Capital, que adquiriu a operação brasileira da Starbucks, em 2016, e hoje está à frente das Operações da Xerpa.

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