A desconstrução de vieses inconscientes de um jeito simples

Óculos de grau

Os vieses não são necessariamente algo negativo. Mas precisamos nos atentar: de onde vem as crenças que temos? Talvez seja o momento de desconstruir e renovar a forma de tomar decisões automáticas.

Você sabe o que são vieses inconscientes? Vieses inconscientes são ideias, crenças e julgamentos que fazemos automaticamente com base em percepções e vivências. Isso acontece porque ao longo da vida, família, amigos, ambientes que frequentamos e até mesmo as publicidades a que somos expostos criam em nossa mente referências e preconceitos que nos acompanham.

Os vieses não são necessariamente algo negativo. Diariamente precisamos tomar decisões de forma automática, sem demandar análises profundas. O grande problema acontece quando nossas percepções de mundo ficam limitadas a reproduzir preconceitos Quantas vezes você esteve em um consultório médico  e deduziu que a pessoa que te atenderia seria do gênero masculino?

Os vieses inconscientes são esses preconceitos incorporados ao dia a dia com base em estereótipos de gênero, raça, classe ou orientação sexual. Para evitar essas situações, podemos ensinar o nosso cérebro a tomar decisões automáticas baseando-se em outros conceitos. Esse é o processo de desconstrução de que muito se fala atualmente. Mas você realmente entende o que é essa desconstrução? Para além disso, você sabe o que é preciso para se desconstruir? Para chegar até a resposta destas perguntas, primeiro é importante entender o que são os vieses inconscientes na prática. Afinal, só podemos melhorar aquilo que temos conhecimento.

O piloto automático do cérebro 

O piloto automático do nosso cérebro está ligado à maior parte das decisões que tomamos. Na maioria das vezes em que temos que fazer escolhas, o ideal seria não precisar  refletir profundamente sobre tudo, economizando tempo e energia. Imagine ter que pensar por horas para escolher um sabor de sorvete, por exemplo. Ou pense no tempo que perderia decidindo o que vestir para trabalhar se todos os dias precisasse fazer uma grande análise do que tem no guarda-roupa. Em situações como as descritas acima, o piloto automático do nosso cérebro é bastante útil.

Contudo, por nos acostumarmos a tomar decisões repetitivas, muitas vezes não nos perguntamos o que nos levou àquela escolha. E se os vieses afetam tão diretamente nossas escolhas, precisamos nos atentar até onde prejudicam nossa visão de mundo e nos impedem de progredir. A situação fica ainda mais complexa quando pensamos nos casos em que esses preconceitos podem prejudicar ou ferir outras pessoas.

Se você é líder de um time e precisa escolher alguém para uma promoção, qual seria o perfil profissional ideal para você? Muito provavelmente você baseará a sua escolha em crenças que adquiriu ao longo dos anos. Mas se você acredita, por exemplo, que pessoas que são mães não conseguem se dedicar de maneira satisfatória ao trabalho, é pouco provável que as pessoas colaboradoras que possuem filhos sejam promovidas, correto? Percebe como isso é perigoso? Ter filhos não torna uma pessoa menos competente, mas essa noção pode estar enraizada no seu subconsciente por conta de estereótipos e vivências passadas. Ao romper com essas ideias, você cria uma cadeia de acontecimentos que só podem ser benéficos tanto para você quanto para a companhia. Dar oportunidades iguais as pessoas colaboradoras aumentam as chances de que integrantes da equipe superem suas limitações e preconceitos. Isso torna o ambiente de trabalho inclusivo, leve e acolhedor.


De onde vem os vieses inconscientes?

Tudo o que você viveu em sua vida tem influência sobre a pessoa que você é hoje. A opinião e crença de amigos e familiares que passaram por sua trajetória são absorvidos e podem te impactar mais do que pensa. Além disso, a capacidade de influência de uma sociedade vai além do seu círculo social. Publicidade, música, cinema e política também possuem forte influência sobre o modo de pensar e agir.

Quando pensamos no cenário da sociedade brasileira, é importante lembrar que ele foi pautado em cima de vieses inconscientes que remetem aos tempos coloniais. Em um país construído sobre a escravidão, eugenia racial, patriarcado e homofobia, o trabalho de desconstrução de preconceitos é árduo e longo. Mesmo que estejamos caminhando para uma sociedade mais igualitária, o processo tem sido lento e estamos longe desse objetivo.



O preconceito está enraizado até em nosso idioma. Quantas vezes já ouviu expressões como “mulato”, “criado-mudo” ou “doméstica”? Essas palavras possuem significados tão profundos e antigos quanto a nossa história e se tornaram tão usuais em nosso cotidiano que perderam o seu sentido. Mas você sabia que a palavra mulato vem da língua espanhola para designar o filhote de cavalo ou égua com um jumento? E por conta disso usavam o mesmo termo para intitular uma pessoa mestiça. Ou que a mesa de cabeceira é chamada de criado-mudo porque esse era um papel desempenhado por pessoas escravizadas que precisavam ficar segurando coisas para os seus senhores durante toda a noite? E a palavra doméstica vem da ideia de que pessoas negras eram “animais que precisavam ser domesticados”.

Percebeu como todas essas expressões racistas carregam traços de uma história muito sombria de nosso país e cultura? Contudo, é preciso que se conheça a história para que possamos construir um futuro em que ela não se repita. Em que todas as pessoas possuam oportunidades verdadeiramente equitativas.

A situação se torna ainda mais perigosa quando essas expressões definem nossas condutas. Dizer “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher” é uma maneira de silenciar as vítimas de violência doméstica, por exemplo. Tudo isso é perpetuado por tantas gerações, que muitas pessoas sequer se perguntam por que isso existe. Contudo, o questionamento é um passo importante para romper com esses pensamentos limitantes.




Xícara de café sobre fundo azul

Tipos de vieses inconscientes

Os vieses inconscientes podem ser classificados de várias maneiras. Conhecer essas classificações ajuda a compreender a origem de nossos preconceitos e assim lidar melhor com eles.  cinco tipos de vieses inconscientes e eles afetam nossas vidas em vários âmbitos:

Viés de afinidade

Este é o tipo de viés em ação quando temos a tendência de avaliar as pessoas conforme nossas afinidades. Isso significa que farei uma avaliação melhor de quem se parece comigo, seja por questões de gênero, raça, idade ou história de vida. 

Exemplo: Ao me juntar a um grupo de trabalho na faculdade ou escritório posso optar apenas por pessoas do gênero feminino, ignorando a competência de colegas do sexo masculino.

Viés de percepção

Já esse tipo de viés é aquele em que os estereótipos definidos por influência da sociedade são reforçados. Fatores como idade, forma física, gênero e sexualidade passam a ser utilizados para desqualificar alguém devido a  generalizações criadas pela sociedade.

Exemplo: em um processo seletivo, uma pessoa da área de RH pode optar por contratar apenas pessoas que sejam magras, já que existe o viés equivocado de que pessoas obesas são mais preguiçosas.

Viés confirmatório

No viés confirmatório procuramos sempre informações que confirmem nossas hipóteses iniciais, rejeitando tudo que a contraria. Aqui, só é levado em consideração informações que estejam de acordo com a opinião ou ideia já formada, por mais que outras informações relevantes sejam dadas. 

Exemplo: se uma pessoa colaboradora é promovida no lugar da outra, a que perdeu a promoção pode acreditar em várias razões que levaram à pessoa escolhida a ganhar a promoção que não a competência. Mesmo que o bom desempenho seja comprovado, ela não mudará de ideia.

Efeito de halo ou auréola

Nesse caso demonstramos preferência, ainda que inconsciente, tendo posse de apenas uma informação positiva sobre a pessoa. Após esse fato avaliamos positivamente o restante das informações não pelo que elas são, mas tendo como base a primeira impressão. 

Exemplo: esse viés pode ser excelente quando pensamos no acolhimento de novas pessoas, mas pode também dificultar a identificação de possíveis limitações, pois tudo o que se enxerga é considerado positivo.



 
Sequência de pinos de madeira
 

Efeito de grupo

O último viés é aquele em que seguimos o padrão de um grupo. Normalmente, a pressão pela aceitação faz com que as pessoas evitem questionar a maioria e convergem para a mesma ideia. 

Exemplo: na escola, quando uma criança comete bullying com outra, um problema generalizado se instaura, pois outros colegas podem não fazer nada a respeito com medo de não serem aceitos, ou até mesmo passar a se tornarem violentos também.



Reconhecer o viés é o primeiro passo

Identificar um problema em outra pessoa é muito mais fácil e menos doloroso do que identificá-lo em si. Mas quando percebemos que todos possuímos preconceitos enraizados em nosso inconsciente, podemos analisar limitações e nos desconstruir. O primeiro passo é encarar o piloto automático de nosso cérebro, perceber nossos erros e finalmente entender como mudá-los.

Após a identificação de vieses, o exercício de autoconhecimento precisa continuar para que a origem daquela crença limitante seja reconhecida. O que te fez acreditar nas coisas que você acredita hoje? Assim é possível realmente realizar mudanças em seu modo de pensar e agir. O outro passo é se instruir. A busca por expandir o conhecimento possibilita a compreensão das raízes dos preconceitos de nossa nação e, consequentemente, uma verdadeira mudança no modo de se pensar e agir. 

Não existe mais espaço para que esses vieses limitantes influenciem no progresso de nossa sociedade. Trata-se de um exercício contínuo, afinal te ensinaram a pensar dessa maneira desde que nasceu, então estas mudanças não acontecem do dia para a noite. Mas compreender a necessidade da mudança e suas próprias limitações é fundamental. É necessário paciência e ação.

Eliminar esses vieses é garantir um ambiente mais diverso e inclusivo no trabalho, por exemplo. No Brasil, de acordo com a Hay Group, apenas 5% das empresas procuram saber como sua equipe percebe a diversidade no ambiente de trabalho. Enquanto isso, empresas economicamente mais maduras atingem o número de 20%. O reflexo disso é bem simples: pessoas colaboradoras que percebem o incentivo à diversidade se sentem mais abertas para inovar e propor novas ideias, impulsionando as ações da companhia.

 
Duas tigelas lado a lado com bolas de sorvete dentro
 

Melhor para você, melhor para todas as pessoas

Trabalhar a desconstrução dos vieses inconscientes traz benefícios para todos os âmbitos da vida, inclusive o profissional. Uma pessoa colaboradora aberta ao que é diferente de si, acolhe melhor novos funcionários, além de se adaptar melhor às mudanças do mercado de trabalho. Ela trabalha para construir um ambiente mais diverso e inclusivo, melhorando seus rendimentos e tornando a empresa um local mais acolhedor e leve.

O autoconhecimento é fundamental para a desconstrução desses vieses limitantes. Só quando percebo minhas próprias limitações, meus preconceitos e o que me levou a pensar dessa maneira é que posso traçar uma nova rota para me tornar uma pessoa melhor. Aqui, vale lembrar que pessoas melhores se tornam líderes melhores e assim, criam uma rede de acontecimentos que garantem um ambiente de trabalho mais diverso e inclusivo, incentivando todos ao seu redor a mudar a forma de agir e pensar em prol de uma sociedade mais igualitária.


 
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