O que uma polonesa, especialista em diversidade e inclusão, tem a dizer sobre o cenário de diversidade no Brasil?
Aleksandra Jarocka é especialista em Diversidade e Inclusão na Polônia, país onde nasceu e viveu a maior parte da sua vida. Ela já trabalhou e fundou diversas instituições não governamentais, para auxiliar pessoas em recortes sociais desfavorecidos.
Aleksandra, que é palestrante na plataforma TED e reconhecida com o selo 25 under 25 da Forbes Polônia, está passando uma temporada no Brasil e compartilha conosco algumas percepções sobre como ela enxerga os avanços relacionados à diversidade e inclusão por aqui.
Acompanhe nesta entrevista algumas diferenças do cenário social brasileiro e do leste europeu e aproveite para ver algumas dicas deixadas pela nossa SafeGuest deste mês.
Aleksandra, você pode nos contar um pouco sobre sua carreira e como você se interessou e se envolveu com Diversidade, Equidade e Inclusão?
Nasci na Polônia, onde comecei a trabalhar há cerca de seis ou sete anos em uma organização que oferecia aulas de verão para adolescentes, sobre como combater a discriminação que afeta as minorias. E para além da experiência da própria organização, conheci muitas outras empresas que contribuem com o trabalho. Fiquei fascinada com a quantidade de coisas que fazem para melhorar a vida de pessoas desfavorecidas na Polônia por diferentes motivos.
Como eu já tinha vontade de abrir minha própria ONG, me juntei a outros amigos e demos a largada no projeto. Era uma organização para lidar com o problema de discriminação baseada em gênero contra meninas menores de 25 anos. Quando eu era adolescente, já queria fazer algo sobre isso por conta de como os professores tratavam as meninas em anos escolares finais. Após essa experiência, passados 2 anos, fiz a transição para outra ONG, também na Polónia, na mesma cidade, mas a missão era outra. Eu trabalhava como Coordenadora de Integração Social. Minha tarefa era acompanhar famílias imigrantes e fazer tudo o que estivesse ao meu alcance para que pudessem se integrar com prestígio no país, como ir à escola com pais de alunos que não falavam polonês e ajudá-los a conhecer os professores; dar-lhes conselhos sobre como adaptar alunos que não sejam poloneses, e por aí vai. Aos pucos, nesta ONG, também começamos a lidar cada vez mais com casos de discriminação, como salários desiguais de diferentes trabalhadores que não vinham da Polônia, eram imigrantes. Às vezes era muito difícil, apareciam problemas que ficavam na linha tênue entre a discriminação e o tráfico humano. O que, infelizmente, é algo comum na Europa em geral por causa do movimento de imigração.
Enquanto eu estava trabalhando na Integração Social, o cenário político começou a mudar na Polônia e em outros países da região. Estava se movendo lentamente para um um eixo de direita, o que sabemos que resultaria em mais discurso de ódio. Ao me deparar com situações de hostilidade que surgiam, comecei a explorar maneiras para entender como superar e ajudar pessoas a superarem estes discursos de ódio. Comecei com treinamentos de equidade e diversidade para adolescentes e crianças nas escolas, depois passei a trabalhar com instituições públicas. Aos poucos percebi que isso era algo que realmente precisávamos. Deixei o emprego na organização anterior e abri meu próprio negócio para pequenas empresas. Comecei a trabalhar como consultora de igualdade, diversidade e inclusão para empresas e universidades.
O que os termos 'Diversidade' e 'Inclusão' significam para você?
Esta é uma pergunta muito importante que, inclusive, faço em palestras e treinamentos. Pergunto às pessoas se veem alguma diferença entre estes termos e obtenho respostas distintas. É sempre interessante ouvir o que outras pessoas dizem, afinal se trata disso. Como resposta, sempre digo que diversidade e inclusão são ótimos quando existem juntos, simultaneamente e quando se cruzam.
“Você realmente precisa de inclusão, porque é o que permite que todas essas pessoas diversas sejam realmente elas mesmas, aparecendo da maneira que são e com o que têm a oferecer e doar. ”
Diversidade é a riqueza de pessoas que têm experiências e perspectivas diferentes por terem vindo de diferentes contextos. Elas podem oferecer perspectivas distintas exatamente por terem diferentes privilégios, diferentes experiências, diferentes cores de pele, diferentes gêneros e várias identidades. Isto é diversidade. Somos diversos de formas diversas.
Porém a diversidade não consegue prosperar de forma eficiente e duradoura sem a inclusão. Você realmente precisa de inclusão, porque é o que permite que todas essas pessoas diversas sejam realmente elas mesmas, aparecendo da maneira que são e com o que têm a oferecer e doar. Para que a inclusão aconteça, precisamos não apenas aceitar as pessoas como são, mas oferecer um espaço seguro e necessário para se apresentarem como são, com todo o seu potencial e instinto.
Qual é o papel da diversidade e da inclusão no mundo corporativo hoje e como será o futuro?
É bom ver que, no geral, trata-se de transformação que está virando tendência. Na Europa, ao menos no leste europeu, assim como no Brasil, a diversidade e a inclusão se tornaram assuntos amplamente discutidos. As pessoas estão passando a ter confiança no tema e se conscientizando da urgência.
“Apesar das estratégias de inclusão não serem fáceis, bastante complexas na realidade, existe a possibilidade efetiva de mudança do mercado de trabalho.”
O primeiro papel deveria ser incluir mais pessoas de recortes sociais minorizados no mundo corporativo. As empresas deveriam, além disso, assumir suas responsabilidades diante da desigualdade. Afinal, elas detêm grande poder monetário que poderia ser um investimento em educação para grupos excluídos do mercado hoje. Assim, essas pessoas teriam melhores empregos, alcançariam cargos mais altos, receberiam melhor e pouco a pouco os contextos sociais poderiam se igualar.
As estratégias de diversidade e inclusão também tem um função crucial na conscientização e prevenção de discriminações, incluindo assédio sexual. Como é um tema que está na moda, as organizações querem logo mostrar que já aderiram a tendência e colocam esse ponto na descrição de suas vagas. O lado positivo disso é que novos talentos estão sendo rastreados com base nos interesses de equidade, o que os torna socialmente responsáveis. E apesar de todas essas estratégias não serem fáceis, bastante complexas na realidade, existe a possibilidade efetiva de mudança do mercado de trabalho.
Para que essas mudanças sejam possíveis, as pessoas precisam refletir sobre alguns pontos ainda. Gostaria que todo mundo se questionasse um pouco mais: “Quais são os acessos que eu tenho? Posso expandir esse acesso a outras pessoas? O que eu posso mudar em mim e ao meu redor para garantir um contexto menos desigual?”. Porque não se trata apenas de empatia. Assim como o impacto nas ações climáticas quando mudamos ações destrutivas à natureza, iremos colher resultados lá na frente.
Você é polonesa, viveu em outros países na Europa e agora mora no Brasil. Que diferenças você vê em termos de avanços nos esforços de diversidade e inclusão nesses países? As empresas estão mais comprometidas em alguns países do que em outros?
Existem diferenças grandes em como estamos avançando nos debates da pauta tanto aqui no Brasil, quanto no restante da Europa. Na Polônia em geral, por causa do contexto histórico e político nosso, a sociedade é diversa em muitos aspectos, mas em outros, nem tanto. Por conta disso, penso que as empresas têm essa falsa percepção de que não precisam se preocupar tanto com a diversidade e inclusão, e acabam sendo menos progressistas do que algumas das empresas que conheci no Brasil. Por aqui, muitas de fato já reconheceram a necessidade de implantação da área de diversidade e inclusão e até investimentos no avanço da pauta foram feitas. Empresas como Nubank e PicPay, por exemplo, que implementaram programas para fomentar educação, treinamento e posteriormente a entrada de profissionais qualificados no mercado. Esta é uma estratégia que já tem se mostrado funcional. Na Polônia, não vemos ações como essa, mas é porque temos um sistema educacional bem diferente do Brasil, pelo que tenho observado. Lá, as oportunidades de acesso à educação são muito mais igualitárias, mas ao mesmo tempo, as pessoas não agem com foco em CSR (Corporate Social Responsibility). Por esse motivo sinto que o Brasil está 2 ou 3 passos mais à frente do que nós em D & I.
Eu vivi na Alemanha e trabalhei lá também. O que vi é que já conseguiram muitos avanços, principalmente por ser um país mais rico. Em escolas e em empresas eles têm dinheiro para implementar ações afirmativas. Mas culturalmente, a população ainda não alcançou seu êxito. O dinheiro para as ações existem mas a cultura inclusiva não. Um exemplo é que a população lá ainda pensa que para ser considerada alemã, por exemplo, você precisa ser uma pessoa branca. Essa poderia ser a realidade há muitos anos atrás, mas hoje em dia existem muitas pessoas negras que nasceram lá ou se naturalizaram lá e não são brancas, mas são sim alemãs. Quando uma sociedade muda, a educação cultural precisa mudar também e isso não aconteceu. Muitos países na Europa inclusive enfrentam o mesmo problema, como a França e a Bélgica que tem uma população bastante diversa.
Após o assassinato de George Floyd, houve um aumento na busca de profissionais de Diversidade e Inclusão por parte das empresas para garantir ações afirmativas a pessoas negras. Hoje nós sabemos que o recorte social que mais precisa de atenção, é o formado por pessoas negras, mas também sabemos que existem outras identidades, como pessoas com deficiências que existem em literalmente todos os países, pessoas LGBTQIA +, pessoas neuro diversas...
Quando você está no Brasil, existem pessoas com cores de pele muito diferentes e todas elas são brasileiras, é algo natural para todos. Claro que existe um contexto histórico por trás, mas a sociedade agora é outra, então a forma de lidar com a atualidade também precisa ser. Na Polonia, existe um tipo de racismo muito diferente do que ocorre aqui porque não temos a construção do país pautada na escravidão como é o caso de vocês mas existe muita discriminação individual, muito questionamento sobre ancestralidade. É diferente de como ocorre no Brasil porque aqui o racismo é algo institucional. Se uma pessoa branca olha para uma negra e não a discrimina individualmente, as pessoas acreditam que racismo não existe. Mas tem uma coisa que preciso dizer. Vim para São Paulo e estou morando em um apartamento no bairro do Ipiranga. Não tenho nenhum vizinho negro. Nenhuma pessoa que mora no prédio é negra, apenas as pessoas que trabalham lá, que tiram o lixo, que servem como seguranças ou na portaria, que limpam a casa de outras pessoas. Você não vê pessoas brancas fazendo esses serviços e sim, isto é racismo. Portanto, os avanços relacionados à diversidade e inclusão acontecem de formas distintas.
Como você acha que os estereótipos socioculturais influenciam a dinâmica de poder no local de trabalho e na sociedade em geral?
Em primeiro lugar é preciso afirmar que os estereótipos influenciam e muito. Os estereótipos influenciam nossos vieses assim como nosso gosto pessoal. Nossa percepção de mundo. Agora vamos pensar no seguinte exemplo: empresas que estão em busca de aumentar o quadro de profissionais negros. Comumente, quando este desafio aparece, muitas questões surgem junto. Como encontramos pessoas negras, principalmente mulheres negras, já qualificadas para cargos seniores? Esse é um desafio para muitas empresas no mundo todo, não só no Brasil. Mas antes de chegar neste ponto, algo aconteceu antes.
Se trabalho em uma empresa e uma vaga abre para a liderança ou para alguém trabalhar em minha equipe, minha primeira ação será pensar em pessoas próximas de mim em quem eu confie para indicar, alguém que esteja dentro do meu círculo de vivências. Ou então em alguém que eu entreviste e se pareça mais comigo, tenha as mesmas afinidades culturais, o mesmo tipo de convívio social, porque afinal aquela pessoa irá conviver comigo.
Acontece que a maior parte das pessoas pensa assim, e de forma inconsciente. Até que um dia a Gestão dessa empresa acorda e.. “ai meu Deus a maior parte da nossa força de trabalho é branca, são pessoas que se parecem e não são diversas entre si”. E então você pensa “Quem é CEO desta empresa?” Ah, é uma pessoa branca. Quem são as pessoas que estão na diretoria? Ah, também são todas pessoas brancas que se parecem entre si. Essa pessoa, ou um grupo de pessoas, que estão no topo há algum tempo, estão decidindo quem vai se juntar a empresa. Se elas têm feito isso de acordo com seus vieses, o que provavelmente acontece é porque todos nós fazemos isso, então os resultados são estes mesmos.
Mas a verdade é que os impactos não param por aí. Eles surgem também na cultura interna da empresa quando ela já conta com pessoas diversas. Como? Na comunicação rotineira, nas cobranças e tarefas, na forma como as pessoas interagem entre si, quais reclamações líderes deixam passar batido e por aí vai. De forma inconsciente, pessoas que já estão acostumadas com seus privilégios, cometem deslizes frequentes com pessoas em recortes sub representados. Muitas vezes a pessoa que é vítima não consegue perceber ou até se defender. Aqui no Brasil, se eu me apresento, falo meu nome e de que país vim sem dizer mais nada ao meu respeito. Automaticamente pensam que sou rica, que sou inteligente, bem sucedida, porque este tipo de expectativa já existe quando pensam em alguém que veio da Europa. Por mais que isso não seja necessariamente verdade, é um viés que poderia me favorecer muito no local de trabalho por ter essa vantagem enviesada.