Um olhar sobre Compliance: lições importantes de diversidade com Deives Rezende

deives rezende compliance

Artigo publicado em 23/11/2021

No SafeSpace Guest deste mês, o papo foi com Deives Rezende, fundador da Condurú Consultoria — organização com o propósito de contribuir para a implementação de programas relacionados à Governança, Códigos e Canais de Ética e Conduta nas empresas, com foco na Diversidade e Inclusão. Nosso convidado tem 40 anos de experiência no mercado financeiro, é especialista em Governança e Ética e palestrante em Ética Empresarial, Conflitos no Ambiente de Trabalho, Protagonismo do Negro e Inclusão.

Deives nos trouxe aprendizados valiosos dos seus anos à frente da área de Compliance. Ao longo da conversa, não vão faltar provocações sobre Diversidade e Inclusão para serem levadas adiante. Boa leitura!

Para começar, vamos falar um pouco da sua trajetória até aqui? Quem é o Deives?

Eu tenho 59 anos, quase 60, mas com energia de 30. Sempre trabalhei muito e gostei de fazer coisas diferentes. Acho que a idade não importa, importa o que você tem de conhecimento. Gosto de estudar, me aprofundar nas coisas, aprender. É isso que eu faço na vida.

Comecei a trabalhar cedo, com 16 anos, no Banco Real (que depois virou ABN e, mais tarde, Santander). Dali em diante colecionei uma série de experiências em instituições financeiras. Passei pelo Royal Bank of Canada, J.P. Morgan, Morgan Stanley, Credit Suisse, Unibanco/Itaú. Fora do universo financeiro, atuei em uma empresa de Private Equity e Venture Capital, e nessa época me apaixonei por startups. Hoje, sou investidor de 4 delas e adoro esse mundo! Além disso,  trabalhei no Instituto Ethos com responsabilidade social corporativa e ética. 

Após ter atuado na área de Compliance do banco Itaú por 4 anos, fui trabalhar com relações governamentais institucionais. Fiquei pouco mais de um ano indo e voltando de Brasília toda semana, conversando com parlamentares. Foi uma experiência única.

Em seguida, resolvi voltar para o banco e montei uma estrutura de ética, implementando o que a gente conhece por canal de denúncia. Particularmente, não gosto de usar o termo “denúncia”, e sim canal de manifestação, canal de diálogo. Acho mais leve, porque às vezes se trata de uma queixa ou reclamação. Fiquei 8 anos à frente dessa área.

Como projeto paralelo, eu tinha uma estrutura voltada para códigos e comitês de ética, treinamentos, workshops, etc. Depois de muito tempo, sai do banco para montar minha consultoria, a Condurú, que hoje atua com base em: coaching e mentoring, gestão de ética, e diversidade e inclusão.

Eu estou tão feliz. Sabe o que é você sair do mundo corporativo e abrir uma consultoria com a missão de reduzir as desigualdades no mundo? Pode parecer algo grandioso, digno de prêmio Nobel. Mas é uma gota no oceano, que vai reverberando. Se eu conseguir impactar uma empresa, pelo menos um colaborador vai discutir isso no almoço de fim de semana, e em seguida no grupo de amigos. Para mim isso tá bom, essa é a minha missão.

Sabemos que ainda é um desafio para muitas empresas sustentar estratégias efetivas de Diversidade e Inclusão. Como você explicaria a importância de voltar esforços para a pauta?

“É importante ter em mente que, quando as motivações são superficiais, é inevitável que se tenha uma crise. ”

Muitas empresas estão olhando para a pauta como forma de imperativo moral, porque trabalhar com Diversidade e Inclusão é fazer o que é certo. Quando uma empresa procura a minha consultoria de modo genuíno e sério, eu topo de cara.

Por outro lado tem aquelas empresas que querem só aparecer bem na foto, o que chamamos de diversity washing. Também trabalho com essas empresas, mas com o intuito de mudar a cabeça delas, plantar uma sementinha ali. É importante ter em mente que, quando as motivações são superficiais, é inevitável que se tenha uma crise.

Certa vez, um cliente do setor de varejo teve um grande problema em uma de suas lojas. Uma mulher trans chegou na boca do caixa para pagar a compra e começaram ‘piadinhas’ em relação ao tratamento adequado, do tipo “é senhor ou senhora?”. Ela é uma influencer, que decidiu postar sobre a situação e chamar a polícia. Com a proporção que o episódio tomou, eles me procuraram para entender como aquilo poderia ser resolvido. Só ali quiseram olhar efetivamente para a pauta.

A diversidade é muito simples. Todos nós somos diferentes, ainda bem! Mas todos somos seres humanos. Então, que a gente se trate assim: converse, pergunte, inclua. Hoje em dia, eu gosto muito mais de falar de inclusão do que de diversidade. Porque a diversidade não é difícil de fazer. A empresa pode contratar uma consultoria e dizer: “olha, eu quero 10% disso, 15% daquilo”. Em três meses você tem essas pessoas. Mas e aí? Como incluí-las?

Sei disso porque sou negro, nasci negro e vou morrer negro. Já passei por mais de 10 empresas. Às vezes eu chegava, olhava para cima e não tinha nenhum negro. Na gestão, nenhum. Na diretoria, nenhum. A grande probabilidade é que essas pessoas cheguem para trabalhar e não fiquem na empresa, porque não existe vínculo. Já tive a experiência de levar 23 trainees negros para a Faria Lima. 2 ficaram, o resto foi embora. As pessoas não souberam acolher.

O mais importante quando se traz homens e mulheres trans, pessoas negras, LGBTQIA+, gordas, imigrantes, tudo que entendemos como “diverso”, é preparar a empresa para recebê-las. E depois, acolhê-las. Em um terceiro passo, fazer uma mentoria para mostrar o caminho das pedras, como funciona a cultura da empresa. Só depois vem a força de vontade, competência de cada um.

Hoje, em que momento você diria que as empresas brasileiras estão em relação a essas práticas? Os resultados já são aparentes?

Eu acho que a gente caminhou muito. Eu presenciei, de fato, duas grandes viradas: o caso George Floyd, que levantou o “Black Lives Matter”, e o caso do Carrefour, do assassinato do João Alberto. A consultoria passou a ser muito procurada a partir desses dois fatos, isso ficou bastante claro.

É uma mudança real? Ainda não sei. Acho que muitas empresas ainda querem aparecer bem na foto. Mas é uma forma de mudar. Não ligo que seja esse o motivo, desde que exista uma provocação dentro dessas organizações.

Nos aspectos raciais, lá fora o impacto foi muito maior. Mas tudo bem, no Brasil a gente vai caminhar também. Aqui, por outro lado, o que as mulheres têm feito é incrível. Mulheres em conselhos de administração, em cargos de gestão, em pontos de decisão. A procura por mulheres na liderança é cada vez maior. Tem muita coisa para fazer, sim. E para isso as pessoas precisam falar, se manifestar, gritar se for preciso.

A primeira coisa que eu faço com a consultoria de empresas é provocar as agendas dos grupos de afinidades. E faço questão de reforçar que esses comitês precisam da participação de alguém do topo, da liderança. Se não, não anda. O tom tem que vir do topo, acredito muito nisso.

Há um tempo, fui convidado para falar sobre protagonismo negro em uma multinacional no ABC Paulista, durante a semana de ética da empresa. Tinham 300 pessoas no auditório, negros e negras majoritariamente.

Então, fiz questão de levantar algumas provocações entre aquelas pessoas colaboradoras e o Vice-Presidente de Recursos Humanos da empresa, que estava sentado na primeira fileira. Ali, reconhecemos o espaço de diálogo que existia para demandas ligadas à pauta racial.

A gente critica e não senta para conversar. O mundo não fala, não aproveita a habilidade do ser humano de dialogar. É isso que eu busco provocar sempre.

Revisitando os anos em que você atuou na área de compliance de um dos maiores bancos do Brasil. Qual a influência do uso de um canal de escuta para um ambiente de trabalho mais seguro e inclusivo?

Trabalhei muito tempo na área e Compliance nada mais é do que seguir as regras. Mas, que regras? Essa é a pergunta.

A primeira regra, independente da empresa, é ter um código de ética e conduta que vai nortear onde ela quer chegar. Não há nada mais importante do que ter um balizador, algo que separe o que é ou não aceitável dentro de uma organização. O código, para mim, não pode ter mais do que 5 ou 6 páginas. O resto deve ser feito por políticas, que complementem esse código.

Além disso, é importante existir uma gestão de consequência. Em uma empresa que está crescendo, por exemplo, se existir um desvio de conduta do João e, dois meses depois essa mesma situação acontecer com o José, deve ser determinada a mesma medida disciplinar. Os casos devem ser tratados da mesma forma.

É difícil falar sobre ética. Existem duas vertentes: uma é a ética pessoal, que você constrói com a sua vida, com seus pais, avôs e avós, tios e tias, sua comunidade. Do outro lado, tem a ética corporativa, aonde entra o código de conduta, as regras. Pode ser complicado misturar isso, e é aí que entra a importância de ter um canal de escuta seguro, ágil. Quando se tem um caso de desvio ético para ser discutido, uma única pessoa não pode ser responsável. Tem que juntar 2, 3, 4. Cada uma tem uma formação diferente, porque a ética não é uma ciência exata.

Se pudesse indicar alguns materiais para as atuais lideranças que buscam se aprofundar em ESG ou D&I com um olhar estratégico, quais seriam?

Eu gosto muito de dois títulos do Michael J. Sandel, que trazem dilemas éticos: “Justiça” e “O que o dinheiro não compra”. São meus livros de cabeceira.

justiça michael j sandel
 
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