Conversar sobre discriminação no trabalho não precisa ser (muito) difícil

como falar sobre discriminação

“Tenso”, “desgastante” e “hostil”. Essas foram as palavras usadas pelas lideranças para descrever a experiência de iniciar conversas sobre discriminação e preconceito, segundo as autoras Sarah Fiarman e Tracey Benson em suas investigações a respeito do tema.

No entanto, ainda que delicado, o debate sobre discriminação se faz cada vez mais presente dentro do ambiente corporativo. Isso porque empresas são formadas por pessoas de contextos diversos convivendo de forma próxima. Em alguns casos, inclusive, esse contato não ocorreria se não fosse pelo meio organizacional.

É comum que essas divergências virem conflitos no dia a dia, que podem até tomar rumos mais graves, previstos pela lei. Entende-se por discriminação no trabalho a distinção no tratamento ou nas oportunidades dadas a uma pessoa colaboradora, por motivos não relacionados ao desempenho profissional. 

Os vieses inconscientes que nós temos 

No ambiente de trabalho, a discriminação acontece de diversas maneiras, sejam elas “veladas” ou explícitas. Para ilustrar, vamos pensar em cenários diferentes dentro de uma empresa. Um envolve discriminação de gênero, o outro, racial:

  • Maria sente que suas opiniões são desconsideradas durante algumas reuniões. Muitas vezes, sua fala é interrompida. Além disso, exerce a mesma função que Jorge, ambos coordenam times de vendas. No entanto, Jorge tem um salário superior.

  • Joana é negra, e atua no time de Sucesso do Cliente. Parte das atribuições da equipe é visitar clientes em suas lojas físicas e garantir que estão fazendo o melhor uso do serviço oferecido. No entanto, a chefe de Joana pede que ela não vá ao trabalho de campo por não ter o “perfil ideal” para representar a marca.

Uma pesquisa realizada pela Yale aponta: quando dada a escolha entre duas pessoas candidatas de gêneros diferentes com competências semelhantes, candidatos do sexo masculino tem vantagem. Independente de quem fosse a pessoa contratante, a tendência mostra que homens são reconhecidos como “dignos de salários mais altos”, ainda que de forma inconsciente.

Essa lógica é comandada pelo que chamamos de vieses inconscientes, que influenciam a maioria das nossas decisões - das maiores às menores e mais cotidianas.

vieses inconscientes RH

Nossos cérebros pegam “atalhos” que facilitam a tomada de decisão no dia a dia, como forma de driblar a quantidade de informações e estímulos que recebe a todo o tempo. No entanto, esses pensamentos automáticos estabelecem crenças limitantes e, em alguns casos, discriminatórias, que podem ser extremamente prejudiciais a pessoas que fazem parte de recortes sociais minorizados. 

Dessa forma, por mais difícil que seja eliminar definitivamente vieses discriminatórios, é essencial propor a reflexão e desconstrução deles no ambiente de trabalho. É papel das lideranças reconhecer e interromper práticas discriminatórias.

Como lidar com discriminação no trabalho: o papel da liderança

A postura que uma pessoa em cargo estratégico assume diante de uma situação de discriminação influencia diretamente a visão das pessoas colaboradoras em relação a comportamentos discriminatórios. 

Nesse caso, é aconselhável que a liderança chame a atenção das equipes para eventuais desvios de conduta e aprenda como eles se dão nas relações internas. O viés inconsciente é exatamente o que seu nome sugere – inconsciente. Mas cuidado ao tentar absolver o impacto que ele pode ter sobre os outros, apenas pelo fato de ser algo “não intencional”. 

  • Por isso, o primeiro passo é reconhecer e entender as próprias crenças limitantes, e então combatê-las. Todas as pessoas devem questionar seus comportamentos e travas pessoais, o que abre uma investigação honesta da questão: como meus preconceitos influenciam minhas ações com as pessoas da equipe?

  • Vão existir erros por parte dos times, e isso é inevitável. Mas é importante ter em mente que muitas pessoas estão abertas a aprender, e esse comportamento deve ser validado e incentivado. 

  • Apesar de ser uma reação natural, atribuir comportamentos negativos à personalidade de alguém nos limita a uma ótica binária de “bom e ruim”. Essa tendência é chamada de Erro Fundamental de Atribuição, e elimina a possibilidade de diálogo, aprendizado e, então, crescimento.



Hora de agir: passos para conduzir conversas produtivas sobre discriminação e interromper vieses

Contratação

Práticas discriminatórias na área de Recrutamento e Seleção são largamente estudadas e discutidas. Embora o tema não seja novidade, ainda aparece como um obstáculo para pessoas que fazem parte de recortes sociais minorizados na entrada para o mercado de trabalho. 

Algumas ações podem ser efetivas na hora de reduzir vieses inconscientes na contratação e evitar a discriminação:

  • Aprofunde seu conhecimento a respeito de ações afirmativas e estabeleça metas internas atreladas a pauta;

  • Saiba diferenciar “fit cultural” de "interesses e origens comuns”. Aqui, pode ser interessante limitar contratações por indicação de pessoas que já fazem parte do time. Essa atenção vai evitar que sejam formados times homogêneos, pouco diversos;

  • Ao abrir uma nova vaga, tenha clareza dos requisitos essenciais exigidos para a posição e foque em classificar as pessoas candidatas com base nessas competências;

  • Repense as perguntas feitas durante a entrevista, para que as informações consideradas relevantes tenham relação com conhecimento, histórico profissional e habilidades específicas para a vaga em questão.


Dia a dia em equipe

É impossível definir o que seria uma reação ideal diante de uma situação de discriminação, seja como testemunha ou como pessoa afetada diretamente pelo comportamento. No entanto, é importante educar e equipar lideranças para as conversas difíceis, para além da ótica de que “essa situação é problema para o RH”.

Comece com um convite para conversar em particular, ao invés de rebater o comportamento em público. A abordagem inicial apresenta o tom da interação.

Saiba separar o que foi o comportamento e o que é a pessoa. Evite colocar tanta atenção em uma interpretação própria ou chamar a pessoa de “racista”, “sexista”, “homofóbica”. Aqui, busque descrever o que aconteceu, como foi o comportamento em questão.

Dessa forma, a pessoa entende o porquê desta questão vir à tona. Isso permite que ela contextualize e veja o problema a partir da sua perspectiva, sem se sentir julgada ou encurralada.

Por fim, é interessante levantar um questionamento, deixar espaço para que a pessoa reflita. A maneira mais simples de transformar o feedback em uma discussão de mão dupla é terminar com uma pergunta. 

“O que você pensa sobre o que falei? Como parte da empresa, você acha que podemos criar uma cultura de respeito?”

vieses inconsicentes no ambiente de trabalho

O respeito como valor inegociável

Para construir uma cultura de segurança nas empresas, as lideranças precisam assumir posturas proativas. Isso significa se preparar para lidar com casos de discriminação quando eles acontecem, e equipar os times para que façam o mesmo. 

A discussão sobre o problema deve vir antes dele. Para estar um passo à frente de problemas de comportamento, é preciso voltar esforços e cuidados para a segurança psicológica das equipes. Colocar o espaço aberto para diálogo como pilar da cultura organizacional é garantir que as pessoas estejam em um ambiente de trabalho que leva à sério o respeito e a inclusão.


 
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