Perguntas e provocações sobre treinamentos de Compliance com Cris Amaral

 

No SafeSpace Convida deste mês, o papo foi com a Cris Amaral, fundadora do Compliance Raiz. Depois de anos atuando como profissional de Risco Regulatório e Compliance Corporativo, a convidada nos conta seu propósito em mostrar o lado prático da área no dia a dia.

Ao longo da conversa, falamos sobre a sua trajetória profissional em diferentes empresas e mercados, e as lições que tirou sobre desvios de conduta no ambiente de trabalho.

Boa leitura!

Cris, vamos começar falando sobre você. Conta um pouco sobre a sua trajetória profissional até criar o Compliance Raiz?

Eu venho do mercado financeiro, e por muito tempo trabalhei na área de Ouvidoria. Na época, não entendia nada de Compliance. Para mim, era aquela equipe que ficava trancada em uma salinha, cuidava de normas da CVM e do Banco Central e controlava o dress code da empresa.

Até que um dia, em 2007, a diretora do Compliance da corretora em que eu trabalhava me convidou para migrar para a área e eu perguntei o porquê. “Você entende do negócio e tem entrada nas outras áreas da empresa, as pessoas gostam de você. A gente precisa de alguém que quebre esse gelo.”

Entrei no Sem Parar em 2014, quando o mercado de meios de pagamento estava no início, sendo responsável pelo processo de autorização da empresa no Banco Central. Foi uma decisão estratégica de carreira ir para um mercado novo e acompanhar essa construção. 

Quando entrei na OLX, também tinha a missão de subir o produto de pagamento já aderente à regulação. Entrei para a área de Risco Regulatório e, dentro de 1 ano, assumi o Compliance Corporativo - com o desafio de fazer Compliance em uma empresa de tecnologia que tem inovação na veia. Foi um movimento muito disruptivo para mim, que vinha do mercado bancário e de corretoras.

Um pouco antes da pandemia de COVID-19, eu estava conversando com um sobrinho que trabalha com marketing digital. Lembro de reclamar sobre o cenário que eu via nos processos seletivos: o pessoal sabe muita teoria, mas não sabe resolver cases. 

Existem muitas “caixinhas” de atuação do Compliance e, na educação tradicional, as pessoas aprendem isso de maneira isolada. Ficam muito amarradas em processos e leis, o que é uma mentalidade comum da advocacia. 

Em Compliance, você não advoga. É uma forma de atuação diferente. Se não fosse, seria apenas uma extensão do Jurídico.

Meu sobrinho, então, me deu a ideia de montar um curso para ensinar a prática - fazer o inverso do que já fazem no mercado. E realmente, não tinha nenhuma grande referência inovando nesse sentido, criando conteúdo com uma linguagem mais acessível. 

Em 2 meses eu modelei o curso e, com a expertise dele em Marketing Digital, o Compliance Raiz já ultrapassou 240 alunos - mesmo sem abrir turmas toda hora.

É gratificante. Sinto que contribuo para a melhoria de profissionais que entram nas empresas. E se entram mais preparados, geram mais resultado. Se geram mais resultado, a importância do Compliance se torna mais visível para todas as pessoas. 

Depois das minhas filhas, o curso é um dos meus projetos de vida, sem sombra de dúvidas.

Nos conteúdos do Compliance Raiz, você usa cases reais e notícias para contextualizar os aprendizados dos profissionais no dia a dia. Isso diz muito sobre os resultados de treinamentos de Compliance, por exemplo.

Qual a importância de as empresas se apoiarem em cases reais na hora de falar sobre normas de conduta com as equipes?

Meu propósito com o Compliance Raiz sempre foi mostrar o lado prático. O lado mais humano, que adapta, que mostra que desvios de conduta nem sempre estão atrelados a mau caratismo - existem contextos que favorecem e estimulam isso de certa forma, e as empresas têm responsabilidade neste tipo de comportamento.

Você pode dar um “check” na caixinha para dizer que cumpriu com o treinamento. Se o seu objetivo é simplesmente passar em uma auditoria na qual você precisa ministrar 3 treinamentos anuais, ele vai ser alcançado.

Mas um programa de Compliance efetivo não é só dar um “check” de conformidade. É fazer com que aquele conteúdo seja trazido para o contexto de quem está ouvindo, para que as pessoas sejam impactadas e entendam que precisam observar condutas e normas no dia a dia. 

Uma vez, uma aluna pediu para que eu olhasse o treinamento sobre Corrupção que ela iria fazer para as equipes da sua empresa. Logo no primeiro slide tinha um artigo sobre a Lei Anticorrupção.

Perguntei: “você está dando treinamento para o Jurídico?”

Ninguém quer saber de leis. Você precisa buscar um caminho que mostre como aquele assunto impacta o dia a dia de todas as pessoas. O Compliance não é tão complexo quanto as pessoas imaginam. O risco é inerente a qualquer negócio, e o desvio de conduta a qualquer pessoa.

Fui buscar algo que pudesse substituir e impactar as pessoas de outras áreas da empresa. Encontramos uma manchete que dizia: “o brasileiro trabalha 29 dias por ano para pagar o custo da Corrupção.” Pronto. O primeiro slide tá pronto.

E aí, disse para ela começar o treinamento com uma provocação: “pessoal, quem gosta de tirar 29 dias de férias?”.

O que você acha que falta para que profissionais com um perfil mais tradicional reconheçam a importância de novas soluções no dia a dia do Compliance? 

Eu acredito que parte dessa resistência do Compliance mais tradicional em inovar mora na ideia de que “as empresas são obrigadas a ter um Compliance, a ter um Canal de Denúncias, a cumprir normas”. É preciso tirar esse chapéu de autoridade que em algum momento nos foi dado - ou que nós mesmos colocamos na cabeça.

O principal cliente do Compliance são as pessoas colaboradoras da empresa. Se a gente não traz essas pessoas e as necessidades delas para a agenda da área, o programa de Compliance não funciona. 

A área é burocrática, claro, e isso é inevitável. Mas é preciso passar o recado adiante. O tom de voz da área vai ser diferente para que isso aconteça, a depender do ambiente de trabalho. Empresas de tecnologia, por exemplo, que focam em disrupção, adaptação e criatividade, são diferentes de um banco mais tradicional. 

O Compliance é um sistema de gestão, e deve levar em consideração as particularidades de cada negócio. Não existem duas empresas iguais. Pode até ser que usem as mesmas ferramentas e métodos, mas cada uma delas tem sua cultura. É isso que os profissionais da área precisam entender: a importância de falar a língua das equipes.

Hoje, existe movimento no setor de Compliance para que iniciativas de Diversidade e Inclusão ganhem força. Mas ainda há um longo caminho pela frente. 

Que argumentos profissionais da área podem usar para convencer a alta administração a investir em Diversidade e Inclusão?

Além de toda a questão da responsabilidade social, eu vejo o investimento em Diversidade e Inclusão nas empresas como potência produtiva. Eu tenho minhas raízes no mercado financeiro, então meu discurso tende a buscar o produto de uma conta que é positiva.

Falar sobre responsabilidade social para uma empresa que não está engajada na pauta não faz nenhuma diferença. Mas se você fala sobre resultados, potencial produtivo e aumento de capacidade, dificilmente as pessoas não vão te escutar. Então, é uma forma de abordar esse tema e garantir a aderência, independente do posicionamento da organização.

As empresas são agentes de transformação social. A pauta ESG está deixando isso cada vez mais perceptível para que lideranças se percebam responsáveis por esse impacto.

Diversidade e Inclusão não é “mimimi”. “Mimimi” é o nome que a gente dá para a dor que a gente não sente. 

Se a sociedade é composta por pessoas de recortes sociais diversos e sua equipe não reflete isso, naturalmente você terá dificuldade em chegar a soluções ou produtos que atendam ao público como um todo. Quanto mais representantes do mercado consumidor estão dentro do seu negócio, mais chances você tem de alcançá-lo. É tão simples quanto isso.

Investir em Diversidade e Inclusão torna a empresa muito mais assertiva em suas entregas e na qualidade do serviço que ela presta, uma vez que traz para dentro da equipe pessoas que enxergam o negócio sob perspectivas diferentes.

Se você pudesse dar um conselho para quem está se inserindo no mercado de Compliance hoje, qual seria?

O profissional de Compliance precisa ser um otimista nato. Porque se não acreditarmos que existem formas melhores de nos relacionarmos, de fazer negócio, de conviver com o meio ambiente, não convencemos ninguém.

Quando você aproxima o Compliance das pessoas colaboradoras, cresce a expectativa que elas têm em relação à organização, diminui a tolerância que elas têm sobre desvios de conduta e elas entendem que ter um ambiente de trabalho mais ético depende dessa vigilância constante na ponta.

Ou seja, não é mais só o time de Compliance falando de Compliance, mas a empresa inteira. Isso é o que faz o movimento por relações melhores ganhar força no mercado. E aqui me refiro a relações entre pessoas, relações comerciais, e a relação dos negócios com a sociedade e com o meio ambiente.


 
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