Perguntas, respostas e provocações sobre estratégias corporativas de D&I com Maíra Andrade, head interina da Adidas América Latina
No SafeSpace Convida deste mês, conversamos com a Maíra Carvalho. A convidada é head de Diversidade, Equidade e Inclusão da Adidas na América Latina, mas sua carreira começou de uma forma bem inesperada.
Sua trajetória profissional conta com outros grandes nomes do mercado, como a Natura & Co. Maíra conduz o papo com a perspectiva de uma profissional que atua em diferentes países, trazendo provocações, dados e expectativas sobre o mercado de D&I. Boa leitura!
Maíra, antes de qualquer pergunta, conta sobre você e sua trajetória profissional até aqui.
Eu sou filha de cariocas, mas sou paulistana de nascimento. Minha família veio da periferia do Rio e, pelo acesso à educação, ascendeu economicamente. Isso fez com que meus pais tivessem uma mentalidade bastante tradicional em relação ao curso que eu escolheria na faculdade e a minha carreira.
Por isso, me formei em Farmácia e Bioquímica. Durante os primeiros anos de curso, pensava muito em fazer Ciências Sociais, porque esse lado de “humanas” já se aflorava em mim. Minha ideia não era trabalhar na indústria farmacêutica, mas sim em hospitais, tendo contato e ajudando pessoas no dia a dia.
A primeira oportunidade, no entanto, foi para trabalhar na área de farmacovigilância de uma grande empresa do setor. Com o tempo, eu percebi que estava apenas seguindo os papéis esperados para a minha formação, mas que não correspondiam aos meus propósitos e competências. Além disso, eu não me via representada na indústria e era uma das únicas mulheres negras da empresa.
Em 2019, entrei na Natura & Co, na área de Inovação Social sob a estrutura de Vendas. Nós olhávamos para um público de mais de um milhão de mulheres consultoras de beleza. Mais tarde, fui efetivamente transferida para a área de Diversidade e Inclusão da Natura & Co, um público interno de 10 mil pessoas.
Ano passado, assumi a minha posição atual na área de Diversidade, Equidade e Inclusão da Adidas, como head interina para a América Latina. Hoje eu moro no Panamá e cuido das estratégias de cultura organizacional de 7 países.
Você começou no mercado farmacêutico e fez a transição para trabalhar com Diversidade e Inclusão. Em que momento entendeu que existia espaço para construir uma carreira nesse mercado? Quais foram os maiores desafios?
Por muito tempo, acreditei que a minha formação seria um obstáculo para trabalhar em posições que exigissem experiência com projetos sociais ou atuação formal em diversidade. Na verdade, com ela acabei desenvolvendo habilidades que sempre me agregaram muito e foram diferenciais, como pensamento analítico e conhecimento de processos.
Quando eu ainda estava na indústria farmacêutica, me envolvi em um programa de Inovação Continuada e no Comitê de Diversidade e Inclusão. Durante esse período, percebi que queria profissionalmente estar envolvida e combinar essas duas frentes.
Na época que eu comecei a transição, muitas empresas de tecnologia com as quais eu tinha contato já falavam bastante sobre pautas de D&I - IBM, Google, até mesmo a Roche nos EUA. Quando uma empresa começa a mudar e se posicionar nesse sentido, outras do mercado percebem a demanda. Acho que isso influenciou muito o mercado no Brasil e me fez ver que, algum dia, eu poderia ocupar uma posição na área.
A Natura e a Adidas são marcas que têm grande alcance no mercado global e influência na opinião pública. Como você entende a responsabilidade das organizações em gerar impacto social?
Realmente são duas empresas com muita força. 97% das pessoas no mundo conhecem a marca Adidas, o que dá para a nossa atuação uma capilaridade gigantesca.
Ao falar em “responsabilidade”, acho importante trazer clareza para o fato que empresas são negócios. No final das contas, precisam gerar produtos, serviços, experiências e, então, lucro.
Quando entrei na área de Inovação Social na Natura & Co, fiquei responsável pela estratégia de combate à violência doméstica. Vou trazer alguns dados dessa época que ilustram bem essa relação:
1 em cada 3 mulheres já passou ou vai passar por uma situação de violência doméstica;
Uma mulher pode perder, em média, 15 dias de trabalho por ano em razão da violência doméstica.
A partir do momento em que as estatísticas no Brasil são essas, nós temos um problema estrutural sério. São mulheres que têm medo, traumas, e se tornam menos produtivas. No final da equação, os números afetam os resultados da empresa. Isso foi amarrado à força de vendas e se tornou uma estratégia importante para a organização como um todo.
“Na minha visão, toda organização causa impacto social nos locais em que atua. Ela usa a mão de obra, tempo e energia das pessoas, portanto, sob uma ótica de cultura e valores, precisa se comprometer a devolver algo de positivo para além de salário.”
É importante trazermos algumas reflexões sobre os recortes sociais que existem dentro do guarda-chuva de Diversidade e Inclusão. O que ainda não ganhou o protagonismo que deveria? Quais gaps você sente na área?
Eu percebo que pessoas com deficiência fazem parte do grupo mais esquecido nos discursos de Diversidade e Inclusão. Muitas marcas vêem a causa como menos “sexy” e não dão visibilidade.
Algumas legislações fomentam a inserção de pessoas com deficiência nas empresas, mas isso não exclui o viés capacitista da sociedade. Como consequência, não traz o grupo para posições estratégicas, de gestão ou liderança. Isso causa um impacto enorme para a inclusão do grupo no mercado de trabalho.
E no final do dia, é importante lembrar que pessoas com deficiência são consumidoras também, e são mais de 20% da população. Existe uma demanda enorme no mercado de produtos e campanhas voltadas para o público.
Por fim, vamos olhar um pouco mais a frente. Pensando no mercado de D&I em 10 anos, o que você enxerga? Que conselho você daria para as próximas lideranças que vêm por aí?
No máximo 5% das empresas lideram a agenda de diversidade, são benchmarks atualmente. Tem um mercado gigantesco começando a acordar e uma outra parcela que ainda não se mexeu. Isso ainda vai acontecer no futuro.
Daqui a 10 anos, algumas organizações estarão ditando as tendências relacionadas à D&I e uma grande massa já vai ter um direcionamento de cultura. Aquelas que, hoje, ainda não acreditam na pauta como uma demanda estratégica, vão patinar para tentar acompanhar a concorrência.
Eu acredito que “Inclusão” vai se tornar uma habilidade da pessoa profissional, assim como outras requisitadas em processo seletivos, e tenho escutado muito isso no mercado. Vai ser como um skill transversal, que passa por todas as posições e áreas dentro de uma empresa e aparece como valor intrínseco da cultura organizacional.