Perguntas, respostas e provocações sobre Gordofobia no mercado de trabalho com Matheus Santos

SafeSpace convida Matheus Santos Friends Lab Gordofobia no mercado de trabalho

Matheus Santos é Co-Fundador e CEO da FRIENDS, Fundador da escutaaqui e Influenciador digital de Marketing e Inclusão SAP.

 

Você já frequentou um ambiente onde se sentiu diferente de todas as outras pessoas? Provavelmente sim, afinal a diversidade é uma característica pertencente a todos as pessoas, mas existe uma linha tênue e incomoda entre se sentir uma pessoa diferente e se sentir excluída.

O SafeSpace Guest é um espaço para apresentar e discutir diferentes pontos de vistas de temas relacionados a inclusão de uma forma segura.

Desta vez, conversamos com o Matheus, CEO e Co-fundador da FRIENDS LAB, Psicólogo e Comunicador de Diversidade e Inclusão com foco em gordofobia.

 

Matheus, você pode contar um pouco sobre como começou a sua jornada como influenciador e comunicador de temas sociais?

Desde a época da escola sempre tive na minha cabeça que precisava me destacar em algum critério para poder ser visto, fosse por ser o mais engraçado, o mais inteligente, o mais “amigão” e isso me trouxe grandes habilidades sociais. Entrei na faculdade muito cedo, aos 17 anos, para estudar Psicologia. Já tinha interesse na área social e fazia estágio num programa de transferência de renda em Belo Horizonte, chamado Bolsa Escola, como se fosse um Bolsa Família, só que com um acompanhamento mais próximo. Nessa época quase fui assassinado, vítima de um assalto e com esse impacto enquanto adolescente vi duas saídas: me revoltar e crer que “bandido bom é bandido morto” ou entender que aquela situação era fruto de algo. Escolhi a segunda opção ao perceber que, igual a mim, por vir da favela da Zona Norte de BH, a pessoa que me roubou também era vítima da desigualdade. Passei a me dedicar à área social e cheguei a traçar uma breve trajetória, com muito ímpeto porém ainda me sentia impotente dentro do sistema.

A frustração com essa impotência despertou em mim uma vontade de migrar para a área corporativa para tentar fazer algo dentro de Recursos Humanos, só que o RH ainda era algo muito objetificado. Sempre se ouvia falar das “meninas do RH” e eram todas mulheres brancas, louras, algo padronizado que me fazia questionar “como entra um gordão nessa lógica?”.

“Consegui me inserir em RH através da Nestlé depois de enviar uma carta para o Presidente Nestlé Brasil e mostrar que os processos seletivos eram excludentes, que eu não tinha Inglês, vinha da favela mas que queria trabalhar. ”

A Nestlé me abriu portas em RH para então migrar, como gestor de RH, para uma grande empresa japonesa. Acontece que lá eles tinham um problema enorme com cota para PCD porque no Japão pessoas com deficiência ainda eram vistas como escórias da sociedade, então não entrava na cabeça de quem dirigia a empresa, que era necessário incluir pessoas assim na equipe.

Todas essas experiências já me motivaram a fazer mais, mas foi após meu pai descobrir uma doença terminal e vir a falecer 15 dias depois que minha jornada realmente mudou. Em seus últimos dias de vida ele veio até mim e disse “Matheus, sempre defendi que você seguisse a mesma carreira que eu, mas não faça isso, faça o que você realmente deseja”. Então fui estudar Marketing.

Novamente dentro do mundo corporativo eu não identificava lugar para mim e passei a tentar emagrecer para me encaixar porque as pessoas que gerenciam o marketing, que eram influenciadoras ou palestrantes usavam roupas que não me serviam. Se eu entrasse pelado em um shopping com um cartão de crédito ilimitado, sairia de lá pelado. Não conseguia comprar camisa de botão, calça chique, sapato e novamente minha lógica foi contestada. Quando finalmente vim para a FRIENDS, como co-fundador e CEO me aproximei do Matheus que eu era no passado o máximo possível passando a escancarar o que eu acreditava. Além disso, migrei totalmente para a comunicação

 
Lâmpadas Gordofobia no mercado de trabalho

O que os termos “diversidade e inclusão” significam para você e quais aspectos observa para entender se uma empresa está realmente comprometida com esse trabalho de cultura?

Diversidade e inclusão para mim basicamente é a capacidade que o ser humano precisa de entender que reparação histórica e social não é mérito, não deve ser contemplado ou parabenizado, deve ser obrigação. 

Já para as empresas, algo que eu falo muito em palestras é que não quero saber se querem ou não esse tema, estamos abordando um aspecto criminal, não é sobre bondade, filantropia, benfeitoria. Se não quiserem ser criminosas, precisam ser pautadas pela inclusão. Não cabe aqui querer ou não falar sobre, já passamos desse momento. Pautas urgentes não são sobre desejo da cultura da marca, uma empresa que pratica exclusão velada ou declarada, politicamente até, pode ser indiciada por crime de racismo, homofobia, etc.

Para entender se uma empresa é inclusiva e diversa não tem mistério. Você precisa ter a mesma porcentagem de representação da sociedade dentro da sua empresa. Por exemplo, se 20% da população representa o número de pessoas com deficiência, o número de colaboradores precisa ser igual. O mesmo vale para pessoas pretas, mulheres, LGBTQ+ e por aí vai.

Tem pautas que não se debate, se combate. Exigir empatia de quem há anos está sofrendo e sendo oprimido para fortalecer o ego do opressor não cabe mais. Parando para pensar sobre racismo, quem oprime devia tomar consciência de que tem que saber falar muito mais de como é ser racista do que quem sofre com isso.

 

Muito tem se falado sobre vieses inconscientes e sua importância para fundamentar ações de inclusão e equidade nas empresas. Qual a sua visão, como psicólogo e empreendedor, sobre a necessidade de alterar esses mecanismos?

Tem uma frase que gosto muito do curso de psicanálise que passei para o pessoal na FRIENDS: “Até a gente tornar as coisas conscientes, o inconsciente é quem vai reger nossa vida e iremos chamar de destino”. Primeiro é importante dizer que não tem ninguém desconstruído de todas as pautas sobre diversidade, nunca vai ter. Cada pessoa está passando por uma trajetória que às vezes, por sobrevivência, a leva a precisar enxergar apenas sua própria luta. Portanto a relação com a diversidade não é linear quando se está pensando em interseccionalidade. Eu posso ser extremamente bem elaborado para apresentar questões em relação ao corpo mas posso estar a léguas de distância de entender outras realidades.

“Ninguém é monstro porque foi opressor inconscientemente, monstros são aqueles que, de forma consciente, são opressores.”

Sou fruto de um relacionamento interracial e minha mãe, branca, achava uma absurdo a mãe dela não aceitar o relacionamento com meu pai, preto. Só que durante alguns anos minha mãe manteve um posicionamento parecido em relação a questões de gênero, o que mostra que e isto é algo que precisa ser desconstruído. Temos que trazer narrativas dentro de espaços seguros e assim começar a quebrar o inconsciente. Ninguém é monstro porque foi opressor inconscientemente, monstros são aqueles que, de forma consciente, são opressores. Minha mãe não era monstra, minha avó também não. Faltavam narrativas  para que pudessem trazer para a consciência delas a capacidade de reflexão.

Primeiro você traz a representatividade e depois você cria espaço seguros para que todas as pessoas possam ser e crescer. Só assim o inconsciente coletivo passa a fazer reflexões, se tornar consciente e contestar a estrutura.

 
Porta à esquerda Gordofobia no mercado de trabalho
 

Você sente que falar sobre gordofobia no mercado corporativo ainda é um tabu? Você pode citar algumas mudanças que as empresas poderiam fazer para contornar e combater este preconceito?

Muitas pessoas banalizam a gordofobia e ainda costumam dizer que é mimimi. Mimimi é uma palavra proferida por alguém que não vive a realidade na qual critica, e se vive acha que a exceção é a regra. Quando abre-se debate sobre esse tema, costumam dizer que não existe gordofobia no mercado de trabalho. Uma vez, na FRIENDS, alguém me perguntou em frente a equipe “ah, Matheus, só porque você é o chefe sua cadeira é mais alta que a de todos, né?".  Precisei explicar que as cadeiras que eles usavam aguentavam até 120 quilos, a minha até 170. Já quebrei muita mesa e cadeira em escritórios pelas empresas não pensarem nisso.  Claro, considero que muitas lutas vem antes da minha, mas quantas pessoas fundadoras de startup que são pessoas gordas ou que são representadas assim em revistas, séries e filmes você já viu?

Me lembro de uma pesquisa americana sobre o tema, em anônimo, voltada da área de recrutamento. Falavam que não contratavam pessoas gordas porque pareciam ser preguiçosas, descuidadas, e isso é muito comum de se ouvir. 

As empresas deveriam refletir se o espaço de trabalho é adequado a todo mundo ou se alguém teria dificuldade em passar nas catracas da entrada, como eu já tive. Ou se os uniformes servem em toda equipe, como já não me serviram algumas vezes. Se a cadeira irá quebrar e causar um constrangimento enorme. A pessoa gorda não pode ser considerada só quando ela emagrece.

 

As pessoas ainda defendem o argumento de que normalizar a existência e o direito ao amor de um corpo gordo é a mesma coisa que defender a obesidade, como se fosse exclusivamente um problema de saúde. O que você costuma explicar para quem tem esse tipo de pensamento?

A obesidade é uma doença, mas não é um culto ao caminho da morte. Nem todo corpo gordo é obeso ou doente, inclusive existem alguns muito mais saudáveis que corpos magros.

Se a preocupação com a saúde da pessoa gorda fosse real, perguntaria como ela está emocionalmente. Um exemplo, desde os oito anos sou gordo, e vivenciei situações desde colegas na escola que nunca cogitaram me apresentar para uma amiga a namorada que me comparava a uma pantufa “fofinho para usar em casa mas teria vergonha de usar na rua”. 

Certa vez fiz uma enquete no Instagram perguntando “das últimas 15 pessoas que vocês ficaram, quantas eram gordas"? Pouquíssimas. E das pessoas gordas que ficaram, imagine qual lado demonstrou interesse. Por que será que a gente não se interessa pela pessoa gorda? Quem que impôs que aquele corpo é bonito e aquele é feio? Não vejo como uma pessoa pode se motivar a querer cuidar da saúde estando a margem de qualquer desejo ou vontade ser incluído.

 

Em termos de representatividade, como a comunicação visual e o Marketing das empresas podem ser aliados na luta contra a gordofobia?

Já ouviu falar em modelos plus size? Nunca chegou espontaneamente até mim. Existe uma gourmetização do corpo gordo na publicidade que é irreal, o que se mostra é um corpo gordo cheio de retoques, de poréns. Fala-se em celebridades plus size, citam Cléo Pires. Um corpo obeso tem cofrinho, fica constantemente suado embaixo das dobras, dos seios, não cabe sentado confortavelmente na maioria das cadeiras.

Então, enquanto as empresas se apoiarem na palavra representatividade só para dizer que tem, sem de fato trabalhar a imagem inclusiva de forma real, usando diversidade apenas do discurso, não mudaremos esses traços.

“Diversidade não deveria ser troféu. Enquanto for, sempre terá uma pessoa opressora se vangloriando da luta alheia.”


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