Perguntas, respostas e provocações sobre diversidade e inclusão com Eduardo Abreu da Rock Content

Fala-se cada vez mais sobre Diversidade e Inclusão no ambiente de trabalho. Não faltam manchetes sobre casos de discriminação, culturas tóxicas e a falta de representatividade nas empresas. Estamos vivendo um momento importante e desafiador para as empresas, que precisam arcar com a crescente demanda do seu time, dos seus clientes, conselho, investidores e do público em geral para construir ambientes de trabalho mais diversos e inclusivos. 

No entanto, se quisermos de fato avançar na pauta, precisamos começar a falar mais sobre o que nós podemos fazer, ao invés de falar só sobre o que devemos evitar.

Foi pensando nisso que criamos a SafeSpace Guest: uma série de conteúdos escritos em conjunto com pessoas profissionais engajadas com o trabalho de diversidade e inclusão, que se identificam com a missão e a visão da SafeSpace.

Fizemos a primeira entrevista da série com Eduardo Abreu. Eduardo é líder da área de Cultura, Diversidade e Inclusão na Rock Content - uma das maiores empresas de marketing de conteúdo do mundo.

Notebooks fechados com um único aberto ao meio diversidade e inclusão

Você pode contar um pouco da sua trajetória e como você migrou para a área de pessoas dentro da Rock Content - especificamente para trabalhar com diversidade e inclusão?

Sou engenheiro de controle e automação por formação e tenho pós em Gestão de Negócios. Trabalhei a maior parte da minha carreira profissional na área comercial, mas a área de gestão de pessoas sempre me interessou muito. Entrei na Rock Content como Sales Representative, depois fui pro time de Customer Success e desde Julho do ano passado eu estou no time de People and Operations aonde eu lidero a frente de Cultura, Diversidade e Inclusão. 

Essa mudança veio de forma natural para mim porque essa é uma pauta com a qual eu sempre engajei muito. A Rock sempre prezou muito pela questão da diversidade, em aceitar as pessoas pelo o que elas são e em gerar oportunidades de crescimento. E eu sempre participei ativamente dessa discussão, como parte do comitê de cultura. Eventualmente, por conta de necessidades de negócio mesmo, a gente percebeu que precisava discutir diversidade para além da forma com que a gente vinha fazendo. 

“A gente precisava tratar desse assunto de uma maneira mais consolidada e estruturada - não só porque era a coisa certa mas porque depois de um estudo longo que fizemos passamos a acreditar que investir em diversidade e a inclusão iria trazer inúmeros benefícios para o nosso negócio. ”

Estruturamos um programa, apresentamos para a empresa inteira, mostrando a necessidade de investir na pauta. Mensuramos o quanto a Rock era diversa na época (inclusive o formulário do censo de diversidade foi a pesquisa com maior engajamento da história da Rock). Isso gerou um conhecimento maior sobre as nossas demandas e prioridade. Em função do corpo que o projeto tomou, a gente decidiu criar a área de diversidade e inclusão da Rock Content que eu coordeno desde então.

 

O que os termos diversidade e inclusão significam para você e como você sabe quando uma empresa está realmente comprometida com esse trabalho de cultura?

Verna Myers fala sobre diversidade e inclusão

Eu gosto muito de uma definição que foi cunhada pela Vernā Myers, head de estratégias de inclusão da Netflix, que representa muito bem o que eu acredito que seja a diferença entre diversidade e inclusão: 

“Diversidade é ser convidada para a festa, inclusão é ser chamada para dançar.”

— Vernā Myers

Quando a gente fala de diversidade, a gente está falando de números, de ter perfis diferentes dentro daquele espaço, daquele grupo, daquele ambiente. É bem aquela coisa do teste do pescoço: eu entrar em um lugar, olhar para um lado, olhar para o outro e conseguir ver perfil que não é o mesmo - ver diferença entre as pessoas. Mas sabemos que não é suficiente que as pessoas estejam presentes ali, elas precisam ser convidadas para participar daquele grupo, daquele contexto. É aí que entram as estratégias de inclusão, que são voltadas para diminuir quaisquer barreiras que existam para participação dessas pessoas. E elas são voltadas tanto para pessoas que estão numa posição minorizada socialmente, que precisam do empoderamento, precisam do espaço, dos ouvidos, quanto também com as próprias pessoas que fazem parte de grupos de dominância e que por isso gozam de privilégios sociais.

Essas pessoas precisam aprender a abrir mão desses privilégios para que outras pessoas possam trazer novas ideias, novas perspectivas e contribuir com as discussões. Além disso, outro aspecto muito importante que as empresas precisam começar a pensar é em todo o nível de reparo que precisa ser feito nos próprios sistemas para que as estratégias de inclusão sejam assertivas e para que a diversidade consiga de fato tomar conta dentro daquele ambiente. 

Segundo a metáfora da Vernā, talvez a questão da equidade se encaixe nessa metáfora como garantia que a pista de dança caiba todo mundo. Você não apenas traz as pessoas para a festa, convida elas para dançar, mas de fato você modifica o seu sistema para que ele dê espaço e proporcione oportunidades equivalentes para todo mundo.

 

Muita gente confunde os conceitos de igualdade, de equidade e de inclusão. Pensando no contexto do ambiente corporativo, você poderia explicar as principais diferenças entre os termos?

A igualdade parte do princípio de oferecer os mesmos tipos de recursos para todas as pessoas independentes de quem elas são. Numa sociedade que tem um nível de desigualdade social muito grande, é muito complicado a gente acreditar que igualdade de recursos é suficiente. Por exemplo, a gente não pode considerar que grupos que tenham acesso a ensino de qualidade e oportunidades de vivência no exterior, de aprenderem outros idiomas, que crescem num ambiente familiar sólido estejam no mesmo patamar de pessoas que não tem a mesma oportunidade de estudo, de foco em relação à objetivos e de tempo para se dedicar às suas ambições de trabalho.

“Então, a ideia da igualdade parte de um princípio falho que demandaria que todas as pessoas tivessem as mesmas oportunidade. É por isso que a questão da meritocracia, da forma como é discutida na nossa sociedade, não se encaixa na nossa realidade. ”

As pessoas partem de lugares diferentes. Para que eu consiga garantir o mesmo nível de competição entre as pessoas, eu preciso de equidade. Isso significa tornar os meus sistemas mais adaptáveis para oferecer o tipo de recurso que aquela pessoa precisa dentro do contexto social dela. Por exemplo, imagine que uma pessoa vai competir com outra pessoa por uma promoção. As duas têm o mesmo nível técnico mas uma teve a oportunidade de estudar inglês - principalmente por conta da sua condição socioeconômica (o que é extremamente comum no Brasil). Eu como empresa posso oferecer uma condição de equidade se eu oferecer para aquela pessoa específica a oportunidade de estudar inglês. Ou seja, equidade é oferecer os recursos necessários para quem precisa dessa atenção. 

Por fim, a inclusão vem como uma ferramenta que a gente coloca em prática para de fato alcançar um patamar de equidade. Por que quando estamos falando sobre equidade, estamos falando de modificações de sistemas: de instituições privadas mas também de instituições educacionais, de distribuição de renda, etc.

Cadeiras verdes com uma única estampada diversidade e inclusão

Na sua opinião, qual é o primeiro passo para uma empresa que quer começar a trabalhar para construir um ambiente de trabalho mais inclusivo? 

A principal dificuldade para sustentar uma estratégia de inclusão está relacionada à compreensão de que estratégias de diversidade têm duas facetas que devem ser tratadas. Muitas empresas focam no empoderamento de pessoas de grupos minoritários, para que elas se sintam à vontade, acolhidas, e isso com certeza é importante. Mas a gente também precisa pensar no outro lado da moeda. As pessoas que estão em alguma posição de dominância muitas vezes não entendem as necessidades que esses grupos têm. Elas não entendem que  muitas ações que são naturalizadas por elas acabam silenciando as demandas desses outros grupos. E muitas vezes essas pessoas não conseguem dar abertura para essa discussão, primeiro porque elas não são diretamente afetadas e segundo porque elas (ainda) não entendem exatamente qual é o problema.

Por isso, uma dica que eu acho que é muito importante é que precisamos dar espaço para pessoas de grupos minoritárias mas também educar as pessoas em posição de privilégio para que elas entendem que elas têm um papel importante nessa desconstrução, e que esse processo pode ser desconfortável para elas. 

 

Que outras recomendações/conselhos você daria para empresas que estão começando a desenhar estratégias de diversidade e inclusão agora?

Tenho duas recomendações principais para as empresas que estão começando agora. A primeira delas é fazer um estudo embasado sobre as vantagens de investir em diversidade e inclusão. Muita gente ainda enxerga a pauta só pela ótica política. Alguns grupo políticos de fato se apropriam mais desse discurso, e por isso as pessoas entendem que ao assumir a diversidade e inclusão como pauta você está levantando uma bandeira política. E não se trata disso. 

“Se trata de fazer algo que vai ajudar muito os negócios. Seja melhorando a produtividade das pessoas, o engajamento, seja abrindo portas para mais criatividade, diminuindo rotatividade, ajudando a empresa a explorar outros nichos do mercado. ”

Vale destacar também a importância de cultivar a imagem e a reputação da empresa - especialmente em tempos de cultura do cancelamento, tribunal da internet etc. Sabemos que isso precisa ser uma preocupação também. 

A outra recomendação que eu daria é mensuração. O maior erro que a gente pode cometer numa estratégia de diversidade e inclusão é assumir a realidade perante a nossa visão. Por que? Porque a nossa visão sempre vai ser enviesada. Ela sempre vai trazer um caráter de como aquela pauta nos afeta pessoalmente. E não é necessariamente sob essa ótica que a pauta deve estar no radar dos profissionais de RH e de Compliance. É importante mensurar para você entender de que ponto você está partindo e qual tamanho da dificuldade que você vai enfrentar para ter uma política de inclusão das diversidades que vai de fato ser efetiva. 

 

Em especial, como envolver os líderes nesse processo?

A justificativa de negócios é muito importante, sem dúvida. O ideal é ter o apoio de alguém que tem influência, que já entendeu o tamanho do problema. Com esse apoio fica mais fácil alinhar isso com os objetivos de negócio, com a forma que a empresa trabalha a promoção da sua própria cultura e conseguir gerar essa discussão em um nível de impacto transformador. Porque não é simplesmente  chegar e impor um monte de regras. Um programa de diversidade e inclusão eficiente precisa mobilizar toda a equipe da empresa a fazer parte dessa transformação também.


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