Perguntas, respostas e provocações sobre diversidade e inclusão com Arlane Gonçalves

Arlane Gonçalves fala sobre diversidade e inclusão

Mais uma entrevista da SafeSpace Guest: uma série de conteúdos escritos em conjunto com pessoas profissionais engajadas com o trabalho de diversidade e inclusão, que se identificam com a missão e a visão da SafeSpace. Dessa vez vamos falar com a Arlane Gonçalves.

Arlane é especialista em Diversidade e Cultura Inclusiva. Administradora pela UFG e especializada em Cultura Inclusiva pela Universidade da Pensilvânia, ela foi selecionada para a lista do Linkedin Top Voices de 2020.

 

Você pode contar um pouco da sua trajetória e como você começou a trabalhar com diversidade e inclusão?

Comecei minha carreira profissional como estagiária de administrativo e entrei na Suzano em Goiânia mesmo em 2012. Fui efetivada como assistente comercial e em 2016 comecei a cursar um MBA em Gestão Empresarial na FGV e pensar em novas possibilidades de crescimento profissional. A estrutura em Goiânia era muito pequena, e então eu pedi para ser movimentada para São Paulo - mudei de cidade e cerca de 6 meses depois eu fui promovida. Eu trabalhei no comercial como suporte da gerência que atendia clientes do Brasil e da América Latina. E foi nesse momento que eu tive o primeiro contato com a pauta da diversidade e inclusão. 

A partir de 2018 eu comecei a me aproximar da pauta junto com um grupo de trainees na empresa e eu fui até além. Comecei a participar de eventos e cursos por conta própria, até pra mim, como mulher negra entender melhor a minha posição no mercado de trabalho. Sim, eu já me declarava negra mas ainda não tinha total consciência do que isso significava em termos sociais e políticos. Esse contato me permitiu evoluir bastante, não só como profissional mas também como pessoa. Comecei a conhecer pessoas de fora da empresa que trabalhavam com a pauta, comecei a falar de forma aberta sobre o tema nas redes sociais, a dar palestras etc. E agora em 2020 finalmente fiz a transição para a área de RH para trabalhar especificamente com diversidade e inclusão. Foi um match de propósito pessoal com propósito profissional.

Bolas se equilibrando diversidade e inclusão

É comum ver pessoas usando os termos 'diversidade' e 'inclusão' como se fossem sinônimos. Na verdade, esses termos significam coisas bem diferentes. Como você enxerga o significado desses termos?

Muitas vezes as pessoas utilizam esses termos como sinônimos. Até tem um outro mau uso bem comum que gostaria de pontuar, que é a associação da diversidade com características individuais. A diversidade que nós falamos no contexto do ambiente corporativo na verdade está associada com a desigualdade social, e é uma questão estrutural.

 
Silvio Almeida fala sobre diversidade e inclusão

“Não é porque a gente está floreando a pauta de diversidade que ela deixa de ser uma desgraça. ”

— Silvio Almeida

 

Aqui no mundo corporativo não é bonito a gente usar o termo desigualdade social. Imagina falar 'temos uma área de desigualdade social' não é bonito, né? E por isso usamos esse termo diversidade. Tem um termo da sociologia que explica isso muito bem: são os marcadores sociais da diferença. Quando a gente fala das diferenças entre homens e mulheres, não estamos falando das diferenças biológicas e sim das construções sociais que foram feitas em função dessas diferenças. A mulher branca ser entendida como frágil, não poder trabalhar, ter que ser cuidada. O homem ser visto como viril, poderoso, o chefe da casa. A diversidade então se refere aos marcadores sociais da diferença que refletem as disparidade da distribuição de poder na sociedade. E a inclusão, por sua vez, é um esforço para ir contra essa corrente. A corrente, o fluxo da sociedade, é justamente a permanência dessas desigualdades. Inclusão é a gente querer ir contra essa maré.

 

Como você sabe quando uma empresa está realmente comprometida com esse trabalho de cultura?

A gente viu um exemplo muito bom essa semana com o processo seletivo de trainee do Magazine Luiza e da Bayer, ambos exclusivos para pessoas negras. Quando você olha para o número exato de vagas - eu sei que no da Bayer estamos falando de 19 vagas e de uma empresa do tamanho que é a Bayer - isso não é nada. As outras portas de entrada continuam abertas para todas as pessoas sem nenhum critério específico. Mesmo assim, rolou uma indignação. Isso mostra que as pessoas brancas não estão dispostas a abrir mão dos seus privilégios. Quando a gente fala de diversidade e inclusão a gente precisa falar muito de privilégio. Na hora que chega na hora de fato abrir mão desses privilégios, de fazer um processo que tem intenção de fato incluir um grupo minorizado, dai a empresa acaba recuando e procura um subterfúgio. Tem alguns subterfúgios bastante usados pelas empresas que já mostraram que sozinhos não são suficientes para corrigir essa desigualdade. Tais como usar currículo cego, não exigir inglês como requisito etc. São passos importantes, com certeza, mas sozinhos eles não dão conta do recado.

Acho importante destacar um outro ponto sobre fazer marketing em cima da pauta da diversidade. O discurso também é prática. É muito importante que as empresas se posicionem. Eu não condeno nenhum posicionamento. No entanto, o post na rede social sozinho não significa nada. Ele precisa andar em conjunto com a prática ou pelo menos ser a introdução para a prática. 

 

Você sentiria confortável em descrever uma situação positiva e uma negativa que você passou no trabalho que esteja relacionada com a pauta de diversidade e inclusão?

Eu vou contar uma experiência pessoal mesmo. Eu sou um encontro de intersecções porque além de mulher, negra, eu também sou bisexual. Então eu já lidei com algumas situações no trabalho. E eu falo abertamente sobre isso porque é uma experiência que eu permitiu provar na pele a evolução da Suzano na temática. Quando eu estava lá em Goiânia, em algumas situações eu ouvia comentários LGBTfóbicos de meus colegas de trabalho. Não eram direcionados a mim - até porque naquela época eu não tinha compartilhado nada da minha vida pessoal com meus colegas. Mesmo assim, em conversas do dia-a-dia eu escutava comentários LGBTfóbicos e agressivos. E é óbvio que isso me incomodava muito, me fazia sentir reprimida porque eu não sentia que podia compartilhar com meus colegas detalhes da minha vida. E com o passar do tempo e agora com o trabalho que a empresa vem fazendo, esse cenário mudou. Hoje eu tenho total liberdade de conversar sobre a minha vida, apresentar a minha namorada, de poder ir na parada LGBT com meus colegas de trabalho. E agora a gente tem o grupo de afinidade LGBT que também está proporcionando várias discussões produtivas sobre o assunto. Hoje nós temos metas, temos um índice de inclusão, então isso para mim é um case de sucesso. Eu senti essa mudança.  

 
Lâmpadas rosa com uma única amarela ao meio diversidade e inclusão

Que outras recomendações você daria para empresas que estão começando a desenhar estratégias de diversidade e inclusão agora?

A primeira coisa é tirar da cabeça que diversidade é uma causa. As empresas hoje estão todas partindo desse ponto. Muitas empresas pensam assim e e passam a confiar a sua estratégia nas mãos de pessoas que estão fazendo um trabalho voluntário. Parem com isso, empresas. Temos que pensar na diversidade como qualquer outra área. Quando uma empresa vai formar uma nova área, ela contrata especialistas, traz consultorias especializadas para construir a base, etc. O mesmo precisa ser feito para diversidade e inclusão. As empresas precisam fazer um diagnóstico da empresa, do nível de entendimento das pessoas, nível de necessidade em relação a pauta de diversidade para entender quais metas fazem sentido e o que é factível dentro daquele contexto. Uma vez que você tem essa base, é preciso ter um orçamento definido (não um orçamento simbólico, orçamento de verdade). Estratégia, orçamento e gestão. Essas são os três passos mais importantes para começar. 

Sobre tokenismo, eu acho que existem dois pontos importantes. Vamos partir do princípio que hoje nas empresas temos menos mulheres, menos pessoas negras, menos pessoas com deficiência e por aí vai - tanto no total quanto na liderança. Essas pessoas necessariamente precisam fazer parte da estratégia de diversidade e inclusão da empresa. Na minha visão isso é obrigatório, para que você valorize o lugar de fala das pessoas e crie uma estratégia que realmente faça sentido para todo mundo. Mas é importante entender também que contratar uma pessoa de um grupo minoritário para preencher uma vaga ou então para liderar essa estratégia dentro da empresa não é suficiente. Nós não queremos só representatividade, nós também queremos proporcionalidade em todos as esferas da empresa - desde a base até o topo. 

 

Na sua opinião, porque muitas empresas ainda têm dificuldade de sustentar estratégias e práticas voltadas para diversidade e inclusão que realmente trazem resultado? Qual o principal desafio?

Ah essa pergunta rsrsrs. Vou usar  um conceito da Cida Bento (que é uma grande estudiosa da pauta de racismo aqui no Brasil e trabalha com a pauta de inclusão racial no ambiente corporativo há décadas) para responder essa pergunta. Ela estudou psicologia social e dentro dessa área ela cunhou uma expressão chamada "parto narcísico da branquitude". É a ideia de que existe um acordo silencioso entre pessoas brancas que se contratam, se premiam, se aplaudem, se protegem. Para mim essa expressão reflete exatamente o problema que a gente está enfrentando. E claro que esse conceito pode ser aplicado também quando falamos sobre diversidade de gênero e outros marcadores sociais, não só de raça. O maior problema que a gente tem ao enfrentar e trabalhar com diversidade e inclusão é justamente esse: romper com as estruturas sociais que é muito bem ilustrado por esse conceito da Cida. 


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