Qual o papel do Compliance na estratégia de diversidade e inclusão?
A relevância do trabalho de cultura organizacional, no que se refere à diversidade e inclusão, atingiu um ponto de inflexão. As pessoas estão muito mais exigentes em relação à responsabilidade das empresas na luta por uma sociedade mais justa e equitativa. O comportamento das pessoas colaboradoras e a cultura interna de uma empresa tem um impacto enorme na visão do público sobre aquela organização. Hoje, com o crescimento das redes sociais, a cultura das empresas é transparente e tem um reflexo direto na sua reputação. Por isso, é essencial que as empresas estejam alinhadas com as leis vigentes e com os valores mais caros da sociedade, entre eles o da ética e da inclusão social.
Dentro desse novo contexto, a área de Compliance tem uma função crucial de impulsionar mudanças reais e significativas em relação à diversidade, equidade e inclusão. Incluir essas pautas como um pilar do Programa de Compliance reforça a ideia do poder das organizações em fazer a diferença na nossa sociedade. O processo de incorporar uma cultura de diversidade e inclusão em uma organização não é tão diferente de incorporar uma cultura de conformidade. Os desafios relacionados à diversidade, inclusão e compliance têm um objetivo em comum que é de inspirar as pessoas que fazem parte de uma organização a fazer a coisa certa e construir uma cultura forte e ética dentro da empresa.
Com essas semelhanças no objetivo e nos processos, há um grande potencial para as duas iniciativas trabalharem juntas a fim desconstruir uma cultura de confiança. Como ponto de partida deste esforço, é preciso reavaliar as políticas e procedimentos de Compliance para incluir os pilares de diversidade, equidade e inclusão. Aqui vão os principais pontos que devem ser considerados nesse processo de transformação:
Compromisso da liderança - ou como dizem em inglês "tone at the top"
Líderes servem como exemplo para o resto da organização e têm como responsabilidade definir o padrão de comportamento que deve ser seguido no dia-a-dia. Sem o compromisso das pessoas que estão em posições de liderança, é impossível construir uma cultura de trabalho realmente inclusiva. Lideranças precisam ser capacitadas e sensibilizadas para entender o papel delas em equiparar as oportunidades e reverter os processos e sistemas internos que permitem esse tipo de comportamento.
Para sustentar um programa de Compliance com um pilar forte de diversidade e inclusão, líderes precisam primeiro reconhecer que são parte do problema e também parte da solução. Isso significa entender que seus comportamentos, decisões e ações (ou falta de) contribuem diretamente para a cultura organizacional da empresa e que sempre é possível escolher agir de forma diferente.
A importância de ir além dos requisitos básicos de compliance
Problemas de má conduta são complexos e subjetivos. Além disso, termos como assédio, discriminação, bullying, etc são sensíveis e quando usados despertam reações diferentes em cada pessoa. Por isso, é muito importante definir e compartilhar princípios e diretrizes claras sobre valores e comportamentos que devem ser respeitados dentro da organização. E isso não significa criar um código de conduta ou política com uma mensagem corporativa unidirecional apenas para apresentar em uma reunião anual e depois salvar em alguma pasta que ninguém sabe onde fica. Isso nunca foi suficiente para ajudar as pessoas a entenderem que tipos de comportamento são esperados e aceitos dentro da empresa.
Os problemas de má conduta mais comuns, assédio moral e sexual, discriminação racial, são agressões que refletem relações de poder estruturais da nossa sociedade. São questões que estão diretamente ligadas às pautas de diversidade, equidade e inclusão. Portanto, empresas que querem implementar um programa de Compliance que vai além dos objetivos básicos e realmente ajuda a construir uma cultura de confiança e inclusão devem não só compartilhar um código de conduta e ética que reflita a linguagem e comunicação da empresa, mas também abrir espaço para dialogar sobre todos os pontos traduzidos no documento no dia-a-dia.
Ferramentas para monitorar, identificar e resolver conflitos
Parte do problema é que as empresas carecem de ferramentas que forneçam visibilidade dos problemas de comportamento que existem no espaço de trabalho. A maioria dos sistemas de Compliance implementados em grandes empresas foram projetados há 30 anos, estão desatualizados e portanto não são formas eficientes de revelar as causas básicas dos problemas. Um exemplo claro é o canal de denúncia, que na maioria dos casos é operacionalizado de forma completamente terceirizada e não tecnológica e com isso não consegue proporcionar uma experiência amigável e segura para as pessoas colaboradoras que precisam usar a ferramenta.
Está na hora de atualizar o Canal de Denúncias
Como consequência disso temos a realidade que só uma minoria das pessoas que passam por problemas de má conduta vão de fato usar o canal de denúncia para se manifestar internamente. Mesmo entre as pessoas que chegam a usar o canal, a maioria só vai fazer isso quando o problema já atingir uma escala grande, o que torna o processo de resolução muito mais difícil para o Compliance e a área de Recursos Humanos. Para resolver esse impasse, líderes da área de Compliance devem procurar sistemas e ferramentas que lhes permitam 'ouvir' o que está de fato acontecendo no espaço de trabalho para identificar pontos críticos que estejam afetando negativamente a cultura da empresa. Muitos problemas de má conduta que acontecem no ambiente de trabalho, como assédio e discriminação, são sinais de falta de inclusão. Portanto, é imprescindível alinhar esforços do Compliance com a área de Recursos Humanos para pontuar e mensurar a raiz do problema e priorizar a implementação de medidas de resolução e prevenção mais assertivas.
O papel do Compliance é uma parte extremamente relevante da estratégia de diversidade, equidade e inclusão das empresas, hoje mais do que nunca. Porém, para que iniciativas nessa frente gerem resultado, é necessário que sejam um esforço ativo, visível, valorizado e implementado de forma sustentável com uma visão a longo prazo. E é também o Compliance que consegue ajudar a dar relevância para esses esforços e a potencializar os impactos da estratégia para gerar mais valor para todos os stakeholders: pessoas colaboradoras, investidoras, consumidoras e fornecedoras.
Não basta falar, é preciso a agir
Estamos vivendo um momento de reparação histórica no qual o público está exigindo muitas mudanças no status quo do mercado corporativo. Para avançar na pauta de diversidade e inclusão nós precisamos de empresas dispostas a agir e não só falar. As organizações estão sendo pressionadas a mudar debaixo de um holofote, o que apresenta um grande risco de imagem e reputação. Se pensarmos que a principal função da área de Compliance é gerenciar e mitigar riscos organizacionais, é necessário que cada vez mais se amplie o escopo da área para também incluir processos e ferramentas que ajudem a impulsionar iniciativas que estejam de acordo com o momento.
A transformação do ambiente de trabalho em um espaço mais inclusivo é um processo coletivo e por mais que não exista uma única solução para um problema tão complexo, o Compliance pode ajudar a executar ações concretas que vão ajudar a centralizar e impulsionar os esforços da organização.