Whistleblowing: o que significa e por que você precisa conhecer esse termo?
No campo do Compliance, frequentemente nos deparamos com termos em inglês que transcendem fronteiras e se tornam padrões internacionais.
Um desses termos é whistleblowing, que não possui uma tradução direta em português, mas se refere ao ato de denunciar irregularidades, condutas antiéticas ou ilegais dentro de uma organização.
Para os profissionais de RH e Compliance, compreender o que é whistleblowing se torna essencial, tanto para consumir conteúdos vindos de outros países quanto para participar de eventos globais ou atuar em empresas multinacionais.
Portanto, convidamos você a explorar esse tema e entender o papel crucial que os whistleblowers desempenham na promoção de ambientes corporativos éticos e na busca por uma sociedade mais justa.
Descubra também as leis e regulamentações que respaldam e definem esse importante conceito.
Whistleblowing: por que empresas deveriam se importar com isso?
Whistleblowing define o ato de relatar uma conduta ilícita ou antiética adotada por uma pessoa (física ou jurídica) contra uma empresa ou órgãos e agentes da administração pública.Quem reporta práticas ilegais é chamado de whistleblower, termo que pode ser traduzido para algo como denunciante.
Em um primeiro momento, a expressão ficou atrelada aos relatos envolvendo o setor público e possíveis escândalos de corrupção e fraude, contudo, ela foi englobada ao vocabulário do Compliance organizacional e é utilizada também para denominar as denúncias que envolvem conflitos de interesse e casos de assédio e discriminação.
Atualmente, países da América do Norte e União Européia adotam whistleblowing e whistleblower como termos padrão para se referir às denúncias corporativas e seus autores.
Dentre os casos de whistleblowing que ganharam alcance global estão o WikiLeaks, site que vazou documentos confidenciais de políticos norte-americanos e o caso envolvendo John Kopchinski, um ex-representante de vendas da Pfizer.
Kopchinski expôs que a farmacêutica estava realizando promoção ilegal do analgésico Bextra, através de gratificação financeira a médicos que receitassem o medicamento, inclusive para casos nos quais a medicação não tinha eficácia comprovada.
Essa denúncia acarretou em uma multa de mais de 1,3 bilhão de dólares para a companhia e expôs a má conduta de executivos e profissionais da saúde, até então desconhecida pela sociedade.
Qual a importância do whistleblowing para as organizações?
As denúncias de desvio de conduta servem como ferramenta para o setor de Compliance investigar e solucionar ações ilegais ou práticas antiéticas em curso na atividade empresarial.
Um relato de inconformidade pode servir como etapa inicial de um processo investigativo mais profundo, no qual serão analisados os riscos iminentes e as consequências para a reputação, papel social e saúde financeira da empresa.
Ou seja, o whistleblowing tem um papel estratégico para aprimorar a atuação do Compliance: as denúncias jogam luz sobre inconformidades invisíveis aos olhos do setor e que exigem solução imediata para evitar desdobramentos negativos.
O whistleblowing também é benéfico para a saúde das relações construídas entre as pessoas colaboradoras.
As empresas que estimulam a captação de relatos de má conduta demonstram sua preocupação em construir um ambiente organizacional livre de casos de assédio moral e sexual, bullying, machismo, desigualdade de gênero, etarismo e discriminação racial.
Whistleblowing no Brasil: um contexto legislativo
O Brasil faz parte dos países que aderiram à Convenção Contra a Corrupção da ONU, vigente desde 2003. Nela, já se discutia a importância do whistleblowing para reduzir os impactos socioeconômicos dessas práticas ilegais.
Porém, as primeiras normativas focaram na esfera pública e não no setor privado. Foram formuladas leis para punir os agentes envolvidos em corrupção, mas não as pessoas jurídicas que praticavam corrupção ativa.
Este cenário começou a mudar em 2013, com a criação da Lei Anticorrupção. Ela definiu mecanismos para apuração e punição de condutas ilícitas cometidas por empresa e que resultavam em danos à Administração Pública.
Apesar de ter elevado as discussões sobre Compliance em todo o Brasil, o dispositivo legal não criou normas específicas sobre canais de denúncia e a obrigatoriedade de implementação deles nos setores público e privado.
Somente em 2018, a Lei nº 13.608, determinou a obrigatoriedade dos órgãos públicos estruturarem mecanismos para captar denúncias anônimas sobre ilícitos e fraudes.
Essa mudança foi um avanço em termos de proteção dos whistleblowers:
definiu mecanismos para captação de denúncias anônimas,
reforçou a importância de manter o anonimato dos denunciantes
assegurou medidas de ressarcimento financeiro em caso de retaliação
institui recompensas para estimular o relato de fraudes e casos de corrupção contra o Estado.
Contudo, mais uma vez faltaram normas precisas. Dessa vez, para orientar o setor privado e determinar os procedimentos legais para empresas lidarem com os desvios de conduta.
Essa realidade não foi alterada em 2019, ano em que o Poder Legislativo emitiu a Lei nº 13.964, conhecida como Pacote Anticrime.
O novo dispositivo legal focou na definição de medidas de proteção ao relatores, tais como:
Adoção de um canal institucionalizado para captação de relatos anônimos;
Proteção integral e isenção de responsabilidade civil ou penal das pessoas relatoras de denúncias;
A identidade do denunciante só é revelada mediante comunicação e acordo prévio.
Porém, seu texto não trouxe nenhuma novidade em relação a obrigatoriedade de adoção de um canal de denúncias, tampouco foram elaborados artigos para orientar o setor empresarial a lidar com desvios de conduta que não envolvessem a administração pública.
Somente em 2022, a promulgação da lei nº14.457, criou o programa Emprega Mais Mulheres, e a partir disso, começaram a surgir as primeiras regras de implementação obrigatória dos canais de denúncia.
O programa prevê ações de combate ao assédio nas empresas e determinou que todas as empresas com uma CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) constituída devem oferecer um meio para formalização de denúncias anônimas.
Em suma, a legislação nacional ainda tem muito a evoluir, especialmente no que tange a atuação do setor privado. Porém, é notável que nosso país registrou avanços significativos em termos de compliance nos últimos 10 anos.